Inspirada em 'Narcos', série conta guerra às drogas de Duterte nas Filipinas

Criticada por tentar legitimar os abusos contra os direitos humanos, 'Amo' é criação do diretor Brillante Mendoza, premiado em Cannes

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Por Atahualpa Amerise
Atualização:

MANILA — Pobreza, narcotráfico, assassinatos e corrupção policial são os ingredientes de Amo, produção filipina que segue o sucesso de Narcos e El Chapo para retratar a sangrenta guerra contra as drogas do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, que deixou mais de sete mil mortos em dois anos.

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"Como cineasta e filipino, me sinto obrigado a contar essa história", disse em entrevista à Agência Efe Brillante Mendoza, criador da série, com 13 capítulos na primeira temporada.

Os oito primeiros entram nos bairros mais pobres de Manila para contar a história de Josephn Molina (Vince Rillon), um adolescente de 16 anos que abandona os estudos atraído pelo dinheiro fácil do tráfico de ecstasy e "shabu", uma metanfetamina de baixo custo presente em todo o território do país.

Membro da agência anti-drogas das Filipinas faz inspeção em máquinas supostamente destinadas à produção de drogas, em Manila, nesta sexta-feira, 13 Foto: AP Photo/Aaron Favila

O resto da temporada aborda, com nomes e nacionalidades fictícias, o caso real de Jee Ick-joo, um empresário sul-coreano sequestrado no fim de 2016 por um grupo de agentes corruptos filipinos que extorquiram a esposa da vítima e o assassinaram dentro do quartel-general da Polícia Nacional em Manila.

Segundo Mendoza, que ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes em 2009 com o filme Kinatay, a série pertence a um gênero similar ao de Narcos e El Chapo.

"As Filipinas e a América Latina têm um problema parecido com as drogas ilegais", afirmou o cineasta.

A diferença entre as séries é que Amo ignora a corrupção no alto escalão político e só mostra algumas aparições televisivas de Duterte, chamado no país de "Castigador" pela guerra às drogas.

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Por isso, estão fora do programa as famosas ameaças do presidente contra usuários e traficantes, como: "Hitler massacrou três milhões de judeus. Aqui há três milhões de drogados e eu gostaria de matá-los".

Em vez disso, Amo foca nas ruas onde não faltam execuções extrajudiciais, assassinatos de suspeitos listados como drogados ou traficantes, uma relação elaborada no início da campanha.

Iniciada por Duterte quando chegou ao poder em junho de 2016, a guerra contra as drogas já tem quatro mil execuções extrajudiciais cometidas pela polícia, segundo dados oficiais. As outras três mil foram obra de "justiceiros", amparados pelo clima de impunidade.

Por outro lado, roubos, assaltos e estupros caíram pela metade desde a implementação da sangrenta campanha, apoiada por 90% dos filipinos, segundo pesquisas. O próprio diretor de Amo classificou a medida como "necessária" em entrevistas anteriores.

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"Busco contar a história de uma maneira fiel ao que vi na sociedade. Uma história que seja tangivelmente real, como se presenciasse um evento em primeira mão", esclareceu o diretor para defender sua isenção para retratar a campanha.

A imparcialidade da série, porém, foi questionada por várias organizações que acusam Mendoza de tentar legitimar os abusos contra os direitos humanos cometidos na guerra às drogas de Duterte.

Antes da estreia da série, a Human Rights Watch (HRW) classificou Amo como uma tentativa de "limpar" a imagem do governo de Duterte. Depois, um grupo de ativistas, advogados e artistas prometeu um abaixo-assinado para pedir que o programa seja retirado da Netflix.

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Mendoza se defende ao afirmar que não busca impor um ponto de vista político aos espectadores, mas reconhece ser inevitável a politização da série, já que a guerra contra as drogas é um tema de intenso debate nas Filipinas.

"Espero que as pessoas vejam e decidam por si mesmas. Sem importar o ponto de vista de cada um, sempre haverá espaço para o debate", concluiu o diretor de Amo.