Carreira de Paulo Goulart se mistura à história da arte brasileira

Ator, morto nesta quinta, aos 81 anos, esteve em episódios marcantes do teatro e da televisão

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Atualizado às 17h28

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Morreu nesta quinta-feira, 13, aos 81 anos, o ator Paulo Goulart. Ele estava hospitalizado emSão Paulo. No final de 2013, o ator havia sido internado para tratamento de um câncer na região dos pulmões, dois anos após se tratado por um câncer nos rins. O corpo do ator deve chegar às 23h30 no Teatro Municipal de São Paulo, onde será velado até as 13 horas de amanhã; o enterro será realizado às 14 horas no Cemitério da Consolação.

Ele nasceu Paulo Afonso Miessa em 09 de janeiro de 1933, mas se tornou Paulo Goulart em homenagem ao tio radialista Airton Goulart. Natural de Ribeirão Preto, começou sua carreira no radio, quando seu pai fundou a emissora na cidade de Olímpia, interior paulista. Lá, ele foi DJ, operador de som e locutor. Ainda distante da carreira de ator, chegou a estudar Química Industrial no Liceu Eduardo Prado, pois queria “ter algum ofício, pois radio, ainda quer fosse uma grande coqueluche, não era considerada uma profissão.”

Mas não pôde fugir de seu dom para artes cênicas quando, no início dos anos 50, a Rádio Tupi, de São Paulo, abriu testes para locutores. Paulo não passou no teste, mas mesmo assim foi contratado por Oduvaldo Vianna como radioator. Vianna foi quem percebeu no jovem de voz e gestos marcantes o potencial para se tornar, então, ator profissional. Com 18 para 19 anos, integrou o elenco de vários programas e, como era o caminho natural da época, acabou chamando atenção dos diretores de TV. “A televisão estava começando em 1951. Éramos contratados da rádio, e a TV Tupi era sustentada pela rádio. Então, tínhamos de fazer TV também. O primeiro programa do qual participei na TV foi o do Mazzaropi, no papel de Boca Mole”, contou o ator.

Em 1952, estreou na TV Paulista, em que foi contratado para fazer parte do elenco da novela Helena. Foi também neste ano que entrou para o Teatro de Alumínio, sob a direção de Abelardo Figueiredo. Lá conheceu aquela que se tornaria sua mulher e mãe de seus três filhos: a atriz Nicette Bruno, com quem se casou em 1954. Foi também com ela que estreou nos palcos, no mesmo ano, no espetáculo Senhorita Minha Mãe.

Era o início de uma parceria para toda a vida, que rendeu projetos como o Teatro íntimo Nicette Bruno (TINB), fundado pelo casal, além de dezenas de peças memoriáveis e premiadas. Em 1953, foi dirigido pelo então estreante Antunes Filho em Week-end, de Noel Coward, realizado pelo TINB. Ainda na companhia, integra É Proibido Suicidar-se na Primavera, de Alejandro Casona, com direção de Ruy Affonson, também de 1953. Entre outras produções teatrais das quais participou nos anos seguintes, destaca-se Bife, Bebida e Sexo, adaptação de Ingênua Até Certo Pono, de Hugh Herbert, dirigida por Paulo Francis, em 1955.

Em 1956, entra para o elenco da histórica Vestido de Noiva, em que contracenava com Henriette Morineau, com quem Paulo conviveu por vários anos e a quem diz de ver muito e sua formação. Para participar da peça de Nelson Rodrigues, Paulo e Nicette se mudaram para o Rio de Janeiro, onde ele também trabalhou no cinema, integrando o elenco do longa Rio Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos. Depois de breve passagem pela TV Continental (1959), foi dirigido por Ziembinski em Zefa Entre os Homens, de Henrique Pongetti, em 1962. No mesmo ano, Paulo se mudou com Nicette e a família para Curitiba. Lá, trabalhou na Escola de Teatro Guairá, na TV Paraná e Teatro de Comédia do Paraná, em que produziram diversas montagens, como Um Elefante no Caos, de Millôr Fernandes, em 1963, A Megera Domada, de Shakespeare, em 1964, O Santo Milagroso, de Lauro César Muniz, em 1965. Em 1966, sobre a direção de Antunes Filho, encenaram novamente A Megera Domada.

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Apesar da boa fase no sul do Pais, a TV estava em seu caminho e os Goulart voltaram para São Paulo em 1966, quando foi convidado pela TV Excelsior para atuar em As Minas de Prata (1966), adaptação de Ivani Ribeiro para o romance de José de Alencar, Os Fantoches (1967) e O Terceiro Pecado (1968), também de Ribeiro.

Enquanto isso, nos palcos, Nicette e Paulo firmaram parceria com o diretor Antonio Abujamra, criaram o Teatro Livre e encenaram diversas produções, como Boa Tarde, Excelência (1967), O Olho Azul da Falecida (1968), Os Últimos Passos (1969), entre outros. 

Já na TV, da Excelsior para a TV Globo foi questão de tempo e, em 1969, fazia sua estreia na emissora em A Cabana do Pai Tomás, adaptação de Hedy Maia do romance homônimo de Harriet Beecher Stowe. Em seguida, ainda em 1969, ganhou seu primeiro protagonista, o personagem do ator Flávio Avelar, em Verão Vermelho, de Dias Gomes. Trama ousada para a época, a novela contava a história de Adriana (Dina Sfat), uma mulher que havia deixado o marido para viver com outro homem, Carlos Antoine Gerladi em Uma Rosa com Amor, de Vicente Sesso. Uma das primeiras novelas cômicas da história, a trama contava a história de Claude, francês que, para ganhar a cidadania brasileira, havia se casado com uma secretária, Serafina (vivida por Marília Pêra), que esta muito longe do padrões de beleza da época e que mandava flores para si mesma.

Na década de 70, voltou à Tupi para trabalhar nas novelas Éramos Seis (1977), adaptação de Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho para o livro de Maria José Dupré; e Gaivotas (1979), de Jorge Andrade. No teatro, em 1974, seu hilário papel como a Mme. Hortense de Orquestra de Senhoritas, de Jean Anouilh, com adaptação e direção de Luís Sérgio Person, rende ao ator os prêmios de melhor atuação do ano pela Associação Paulista de Críticos (APCA) e o Molière de melhor ator.

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Na década de 80 retornou à Globo para atuar em Plumas e Paetês (1980), de Cassiano Gabus Mendes. Foi a o autor que deu a ele o presente chamado Gino, personagem de um típico italiano. “Ele falava com sotaque.... Gostava de comer! E eu adoro! Foi um retorno maravilhoso”, relembrou Paulo que, em 1981, fez Jogo da Vida (1981), de Silvio de Abreu, Transas e Caretas (1984) e Roda de Fogo (1986), ambas de Lauro César Muniz, além de Fera Radical (1988), em que viveu o Altino Flores na trama criada por Walther Negrão. Para o ator, que sempre foi muito ativo e vigoroso na vida real, interpretar um personagem que vivia em uma cadeira de rodas foi particularmente difícil.

Além das novelas que o tornaram nacionalmente famoso, Paulo também integrou o elenco de várias minisséries, como Chapadão do Bugre (1988), de Antônio Carlos da Fontoura, na TV Bandeirantes. Voltaria mais uma vez à TV Globo dois anos depois, em Gente Fina, de Luiz Carlos Fusco e Marilu Saldanha. Em seguida integraria o elenco da histórica O Dono do Mundo (1991), de Gilberto Braga, em que interpretou Altair, pai do vilão Felipe Barreto (Antônio Fagundes). “Comecei muito cedo a fazer personagens que são pai, talvez porque, na vida real, eu seja um paizão, e me orgulho disso!”, comentou o ator, que é pai de Paulo Goulart Filho, Bárbara Bruno e Beth Goulart.

Vilões também sempre foram bem vindos e presentes em sua carreira. Em 1993, no remake de Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro, deu vida ao inesquecível vilão Donato. O ator contou que, apesar de Donato ser uma pessoa má por essência, buscou lastro no fato de que ele tinha uma grande paixão. “E em nome disso ele cometia as piores atrocidades. Quanto mais apaixonado, pior se tornava.”

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Nos anos seguintes, passaria pelo SBT, em que trabalhou em As Pupilas do Senhor Reitor (1995), versão de Lauro César Muniz para a história homônima de Júlio Diniz, e pela Rede Bandeirantes, em O Campeão (1996), de Mário Prata e Ricardo Linhares.

Em 1997, regressou mais uma vez à TV Globo e interpretou o aviador Ulisses em Zazá, de Lauro César Muniz. Em 2002, Benedito Rui Barbosa daria a ele mais um personagem memorável, o vilão Farina de Esperança. Em 2005, viveu o sensível Mariano em América, de Gloria Perez. Em 2007, voltou a viver um vilão em Duas Caras como o professor Heriberto Gonçalves. Em Cama de Gato (2010), de Duca Rachid e Thelma Guedes, interpretou o rancoroso e vingativo Severo. Mais recentemente, em 2011, deu vida ao Dr. Eliseu Vilanova de Morde e Assopra, de Walcyr Carrasco. Entre uma novela e uma peça, integrou o elenco de outras diversas minisséries, como O Auto da Compadecida (1999), Aquarela do Brasil (2000), Um Só Coração (2004), JK (2006) e Amazônia: de Galvez a Chico Mendes (2007).

Em 2006, a família Goulart foi homenageada no 18º Prêmio Shell de Teatro. Paulo, Nicette e os filhos, que trabalham juntos em diversos projetos, mantinham uma produtora (Nicette Bruno Produções Artísticas) e a M.F. (Miessa e Filhos), que administra o Teatro Paiol. Foram premiados com um troféu especial por sua união e realizações teatrais ao longo de mais de duas décadas.

Além do teatro e da TV, Paulo também se dedicou ao cinema e filmou com importantes diretores, em longas como O Auto da Compadecida (de Guel Arraes), Pobre Menina Rica, Redentor (de Claudio Torres), entre outros. Foi também autor e lançou os livros 7 Vidas, Grandes Pratos e Pequenas Histórias de Amor. Seu último lançamento foi Vôo da Borboleta.

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