Adrien Brody conta como se preparou a vida toda para ser Houdini

Minissérie com o ator vai ao ar no canal History nos dias 27 e 28 de setembro

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Há exatamente dez anos, num encontro em Nova York – no lançamento de A Vila, de M. Night Shyamalan –, Adrien Brody comparara, para o repórter, a função de ator à do mágico. Ambos precisam trabalhar com a magia e a ilusão, seja para tirar um coelho da cartola ou dar vida a um personagem. Na época, Brody já recebera seu Oscar (em 2002, por O Pianista, de Roman Polanski). Ele seguiu fazendo filmes importantes, outros nem tanto. Está em cartaz atualmente com O Grande Hotel Budapeste. Numa entrevista por telefone com um grupo de jornalistas de todo o mundo, disse que um dos prazeres de sua profissão é trabalhar com autores talentosos como Wes Anderson, colocar-se em suas mãos e ser um instrumento para que ele possa colocar na tela sua visão de mundo. O assunto da conversa, a minissérie Houdini, que o canal History vai apresentar em duas partes, dias 27 e 28. Uli Edel é o diretor e o roteiro é assinado por Nicholas Meyer, de O Dia Seguinte e de alguns dos melhores filmes da série Star Trek.

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Como você se preparou para interpretar Houdini?

Tenho a impressão de que me preparei a vida inteira, mesmo antes de saber que seria ator e seria convidado para fazer o papel. Toda a minha jornada para me tornar ator e representar começa com o meu fascínio pela mágica e pela ilusão. Quando garoto, adorava a ideia de criar alguma coisa que não existia e, dessa maneira, atrair a atenção dos outros, não só para entretê-los, mas para conquistar seus corações e mentes. Isso sempre me pareceu emocionante e, mais que isso, excitante. Foi assim que tudo começou e hoje tenho consciência de buscar personagens que me permitam entender mais a natureza humana e a complexidade dos desafios que temos de enfrentar. Adoro me jogar nessa aventura de descoberta. Sinto que entrar na vida dos outros não é só um jogo, mas um processo que me enriquece e amadurece. Um processo criativo que nunca envelhece.

Dada sua fascinação pela magia, se lhe fosse permitido encontrar e falar com Houdini, o que lhe diria?

Já lia sobre ele muito antes de saber que faria o papel. E o exemplo de Houdini sempre foi inspirador. Como um imigrante pobre da Europa Oriental supera suas limitações e vira um sucesso numa sociedade como a norte-americana, que não tolera o fracasso. A resposta é a sua tenacidade. Ele tinha que ter muito empenho, muito foco para atingir seus objetivos. Por isso não sei se conseguiria lhe fazer uma pergunta, mas gostaria de estar na presença dele, para tentar entender como era.

Alguma característica importante que você descobriu na preparação?

Oh, sim, ele era destemido, num grau que poucas pessoas conseguem ser e eu tenho a impressão que foi por isso que o mundo se enamorou dele. Tenho a impressão que essa é a característica mais forte e que o torna relevante mesmo para nós, no mundo atual. Se você pensa nos riscos que ele correu para se afirmar no começo do século passado... Não é muita gente que teria sua determinação. O curioso é que não precisaria lhe perguntar sobre seus truques, suas mágicas. Sobre isso já sei bastante.

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Sabe tudo?

Não, não sei tudo, mas o suficiente. Há um aspecto físico que é muito importante. Já enfrentei processos similares no passado, e essa é a parte menos difícil. Mas Houdini me trouxe desafios particulares. Seus números de confinamento e mergulho, a habilidade de romper as cadeias e escapar de baús cadeados, debaixo d'água, tudo isso exigia dele e exigiu de mim muita disciplina. Havia uma dose real de perigo nas suas mágicas que eu tive de encarar. Fiz eu próprio os stunts, tudo era muito preciso e planejado, sem margem de erro. Sei agora que aos 5, 6 anos, quando comecei a me interessar por Houdini, lancei os fundamentos - as origens - de uma ideia de performance que virou a base de minha carreira. O mais duro foi a câmera de tortura subaquática. Sempre existe uma rota de fuga, mas ela só é viável se você controla sua respiração. Se não controlava, ficava desorientado. Era bem angustiante.

Quando você fala nele como destemido e sublinha o perigo, pode-se dizer que ele era viciado no medo? Que curtia a adrenalina, a fama?

Sem dúvida. Diria até que Houdini foi pioneiro na arte de se autopromover. Era ambicioso e sabia usar a propaganda, os jornais, para despertar a atenção das pessoas. Antecipava o perigo, a dificuldade e criava, no imaginário das pessoas, a necessidade de conferir se ia conseguir. Então pode-se dizer que, sim, ele era viciado em adrenalina, mas como qualquer pessoa que pratica hoje esportes radicais, tinha de dominar suas ferramentas. De que forma? Com disciplina.

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O filme aborda o aspecto mais controvertido de todos – Houdini como espião. Até que ponto isso é real ou foi licença poética?

Por sua fama e facilidade de deslocamento, pela forma como atraía multidões na Europa e nos EUA, Houdini foi cooptado pelo governo para ser espião, na 1.ª Grande Guerra. Natural. Ele via em contato com as maiores personalidades de sua era. O presidente dos EUA, Sir Arthur Conan Doyle, Rasputim. Polemizava com os espiritistas. Ninguém mais contesta que foi espião, só que os detalhes permanecem secretos. Nesse sentido, nosso escritor (o roteirista Nicholas Meyer) nutriu-se de imaginação e liberdade poética. O showman, o mágico que vira espião? Quer história melhor que essa? Alguns detalhes são factuais – seu passaporte de Nova York. Outros, são pura fantasia. Mas é assim que as coisas funcionam quase sempre quando se faz ficção a partir da realidade.

Você tem uma carreira sólida no cinema, mas está numa série de TV. Concorda que a televisão é onde está hoje a criatividade do audiovisual na 'América'?

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A TV tornou-se uma mídia muito atraente, que hoje atrai atores como Halle Berry e Matthew McConaughey e diretores como Steven Spielberg e Steven Soderbergh. Mas eu não penso numa carreira específica. Fazer só filmes, ou só televisão. Sou conduzido pelo material. Mais que escolhê-lo, ele me escolhe. Gosto de me cercar de gente que me inspire, que me proponha coisas diferentes. Nesse caso, uma minissérie em duas partes oferecia o tempo perfeito para um personagem que me fascina. Afinal, o maior performer da América... Um filme de duas horas seria pouco, estender a duração seria esticar além da conta. A TV tem hoje grandes autores que trabalham nela. É fácil de entender, se você quer fazer algo original, à margem dos estúdios. O cinema virou uma operação de marketing. Exige muito investimento publicitário. E os independentes, sem suporte dos estúdios, penam para atrair o público.

Você define Houdini como alguém destemido. Em que medida ele o levou a confrontar seus medos? E quais são eles?

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Houdini enfrentou e teve de superar muitos obstáculos na vida. Foi alguém que viveu no limite, testando-se o tempo todo. Acho que foi o mais atraente nessa aventura, para mim. Tornei-me ator para sair da casca. Sou relativamente tímido, ou introvertido. É um erro pensar que todos os atores são iguais e que necessitam de atenção para sua vida privada. Os maiores, os mais talentosos, cultivam o mistério. O que me move é sempre o desejo de entender o outro e ultrapassar seus limites. Assumir que você tem inseguranças e liberá-las, porque é preciso, para fazer seu trabalho bem feito. Você não pode ser muito autoconsciente nem egoísta, senão vai ficar se repetindo sem dar vida a seus personagens. Ser ator, e Houdini me fortaleceu essa convição, é encarar seus medos, e o maior de todos. Não ter medo de ousar.

Como você diz, pesquisou muito, a vida toda. Mas o que você não descobriu nos livros? O que ainda faltava para criar o personagem? Você teve de usar sua imaginação?

É uma grande pergunta, realmente grande. Porque existe uma pletora de material sobre Houdini e muita gente confiável também deixou registradas suas impressões sobre ele. Li muito sobre Houdini e a minha vida inteira desenvolvi ideias sobre ele porque elas também eram ferramentas para eu pensar a minha condição de ator. Mas nada disso me deu a chave. A chave, você sabe. Sem ela não conseguiria fazer o papel. Tive de encontrá-la. Não É uma coisa que eu pudesse conhecer de minhas pesquisas. Foi uma coisa que evoluiu da interpretação do meu apetite por ele e de um sentimento muito profundo que fui descobrindo, em mim como nele. Só quem não tem medo consegue entender a fraqueza. O medo do fracasso, o medo de não ser grande querendo ser grande. Isso é uma coisa que eu consigo entender, não só como artista mas como ser humano. Por mais pesquisa que faça, tem de haver uma espécie de confiança, maior que qualquer coisa, para que você possa fazer um papel. Você compreende? Como ator eu busco uma verdade imprevisível e tenho de estar alerta para poder expressá-la, de forma verdadeira, nesse tênue momento em que sinto em que o personagem me pertence. Isso foi uma coisa que me inspirou nele. Porque Houdini, como performer, também buscava esse momento. Um mergulho no abismo interior. Tenho tido sorte. Alcancei fama e respeito como ator e sinto que entendo a beleza e também os riscos dessa atividade. Mesmo que não seja uma aspiração, sei que o artista precisa manter uma certa estatura nesse negócio do cinema, porque é um negócio. Mas, como Houdini, sei também que o importante é seguir arriscando e experimentando, sem medo das repercusões e dos julgamentos provocados por certas escolhas. Como homem e artista, sei que isso faz parte do processo. Tenho consciência do que ganhei fazendo o Pianista e entendendo o sofrimento de Wladyslaw Sziplman. Com Roman Polanski, que sofrera o horror do Holocausto, aprendi a superar a perda e como é difícil ter perseverança para enfrentar a adversidade. Houdini, de novo, me confrontou com os limites individuais, mas numa escala global. São personagens que te fazem crescer.

Ilusionista e caçador de charlatões

Verdadeiro Houdini teve entre suas atribuições desmascarar pessoas que diziam ter poderes e talentos paranormais

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Harry Houdini, nome artístico de Ehrich Weiss (1874-1926), foi um dos mais famosos escapistas e ilusionistas da história. Nascido numa família muito pobre de imigrantes judeus, teve de começar a trabalhar criança, para ajudar no sustento dos irmãos. Foi perfurador de poços, fotógrafo, contorcionista, trapezista. Foi também ferreiro e o ofício lhe forneceu os truques para abrir correntes e cadeados. 

A habilidade tornou-se a base de seus números mais famosos. Hollywood já o biografara num filme de George Marshall com Tony Curtis, em 1953. Adrien Brody, que agora faz o papel, pesquisou muito, mas preferiu não ver o filme antigo para não se influenciar. O curioso é que Houdini, como Colin Firth em Magia ao Luar, de Woody Allen, atuou como desenganador, tentando desmascarar pessoas que segundo ele eram charlatões disfarçados de paranormais. / L.C.M.

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