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'A Grande Família' exibiu a classe C antes de se tornar notícia

Sair do ar depois de 14 anos ininterruptos, revivendo um grande sucesso que durou outros quatro e deixando no público um desejo de "quero mais", definitivamente, não é para qualquer programa de TV. É para os campeões, os campeoníssimos, não apenas de audiência, mas de acerto na fórmula que todo produto televisivo almeja e raros conseguem atingir: alta qualidade artística, sintonizada com o gosto popular. 

Por Gabriel Priolli
Atualização:

A Grande Família deixa hoje à noite a tela da TV Globo, depois de 485 episódios, mas deve durar no mínimo uma geração na memória afetiva dos brasileiros, como durou sua primeira versão. Vai cercada de glória e de um recorde de longevidade entre as séries brasileiras, e deixa saudades no telespectador antes mesmo de terminar. Uma façanha impressionante, no volátil ambiente da televisão. Ainda mais para um produto que pretendia apenas homenagear brevemente um sucesso icônico da Globo nos anos 70 – e conseguiu superá-lo em quase todos os aspectos, salvo, talvez, no impacto político.

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A série original de 1972, concebida por Max Nunes, Oduvaldo Viana Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, usava o cotidiano de uma família de classe média (originalmente, paulistana) para denunciar a carestia econômica e a opressão política vividos sob a ditadura militar. Denunciava indiretamente, com humor, como impunha a circunstância de uma censura feroz. Mas teve um êxito avassalador nessa proposta. Fez rir e pensar, em doses equivalentes.

O remake de 2001, feito na democracia, já dispensou a missão política. Sob orientação de Guel Arraes e texto de Adriana Falcão, Claudio Paiva, Marcelo Gonçalves e Bernardo Guilherme, concentrou-se mais nos costumes e comportamentos suburbanos, no caso os do Rio de Janeiro, onde foi ambientada. Explorou magnificamente o conflito entre a moralidade rígida de um pequeno funcionário público (Lineu) e a de seu genro taxista, picareta e trambiqueiro (Agostinho). Em torno dessa oposição, exibiu uma galeria de deliciosos personagens, faces de uma Classe C que nem estava na moda ainda quando lembraram de levá-la ao vídeo.

A identidade do público com os personagens e suas peripécias é uma chave do sucesso de A Grande Família. Poucos universos ficcionais se aproximaram tanto da verossimilhança, como nesse retrato da baixa classe média. Mesmo quando os autores se afastaram da representação naturalista, nos anos mais recentes, era possível ver brasileiros reais e vida real naquele microcosmo de aloprados. Um ambiente profundamente familiar, próximo, reconhecível, mesmo por quem vive em outros contextos.

Outra chave foi o elenco. Era impossível alguém fazer um Lineu melhor do que Jorge Dória, na versão original. Mas Marco Nanini conseguiu. Idem Marieta Severo, superando Heloísa Mafalda. E sobretudo Pedro Cardoso, incomparável a Paulo Araújo no papel de Agostinho. Se a versão de 1972-75 teve ainda Osmar Prado, Luiz Armando Queiroz, Brandão Filho e Djenane Machado, a de 2001-14 ofereceu Rogério Cardoso, Guta Stresser, Evandro Mesquita, Tonico Pereira, Lúcio Mauro Filho, Andréa Beltrão e Maria Clara Gueiros. Praticamente uma seleção brasileira de atores comediantes.

A Grande Família vai, mas dá para apostar que volta. Alguns anos passarão, mas ela ressurgirá, resgatada pela nostalgia do público maduro e a curiosidade das novas plateias. Voltará para demonstrar, para mentes colonizadas, que o talento brasileiro equivale ou excede o norte-americano, no formato da sitcom de humor. Há mais de 40 anos. E pelos tempos afora, enquanto houver televisão e gente interessada em se divertir com ela.*JORNALISTA E ESPECIALISTA EM TV

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