Quando se pensa em grandes parcerias nos musicais contemporâneos, impossível não se lembrar dos britânicos Tim Rice e Andrew Lloyd Webber, autores de hits como Jesus Christo Superstar, Evita e José e Seu Manto Tecnicolor. Sucessos que marcaram o gênero nos anos 1970 e 80. Em seguida, cada um seguiu os próprios passos - enquanto Lloyd Webber adotou um estilo mais espetaculoso (como Fantasma da Ópera), Rice assinou contrato com a Disney para criar musicais marcantes como O Rei Leão, o mais visto na história da Broadway e cuja produção brasileira está prestes a se tornar a mais longínqua em palcos nacionais. Rice está em São Paulo, mas por outro motivo, também nobre: hoje, ele será visto na Arena Corinthians, torcendo fervorosamente pela Inglaterra contra o Uruguai, pela Copa do Mundo. "Não fomos felizes contra a Itália (que venceu por 2 x 1), por isso, precisamos muito da vitória para não voltar mais cedo", comentou ontem cedo, em entrevista ao Estado, em um hotel dos Jardins. E, como conhecedor de futebol (torce para o Sunderland, da primeira divisão inglesa), completou: "Esse é o Mundial com mais resultados surpreendentes da história, algo fascinante para qualquer torcedor". Com quase cinco décadas de carreira, Tim Rice acumula muitos sucessos (Evita, Jesus Cristo Superstar, O Rei Leão) e poucos fracassos (o recente A Um Passo da Eternidade). Sobre todos, o letrista inglês de 69 anos falou com desenvoltura na seguinte entrevista, realizada na manhã de ontem antes de sua palestra sobre musicais no Sesi e de uma palestra, à tarde, sobre a organização de grandes eventos esportivos, patrocinada pelo governo britânico.
Sua carreira é marcada por tantos sucessos. Haveria algum segredo para isso? Acredito que minha regra é transformar cada letra na mais perfeita possível para o personagem. Algo que o torne crível. Sempre há a preferência por personagens engraçados - o público adora -, assim, o desafio é criar o drama de forma a cativar cada espectador. Para dar um exemplo concreto, é tornar convincente uma cena em que uma mulher frágil fala, por meio de canções, do alto de um balcão, para dez mil descamisados, como em Evita. É muito importante para o letrista saber se colocar na posição do personagem. Há um outro detalhe: se souber dizer em dez sílabas o que talvez fosse dito em dez palavras, você provavelmente escreveu um bom trabalho. Esse é o desafio.Um musical é resultado inicialmente de um trabalho conjunto entre o autor das letras e o das canções. O que vem primeiro: as palavras ou a melodia? Falando em musicais, o primeiro que vem é a história - é preciso o que vai ser narrado. Em Evita, eu escrevi a história e a entreguei para Andrew Lloyd Webber, que criou a melodia. Nesse estágio, é ele quem percebe qual cena deverá ter uma canção romântica, qual será mais argumentativa e qual será o grande número daquele ato. Daí, é minha função adaptar a letra para aquela melodia. Assim, a sequência é história, melodia e letras.Nesse caso, é possível dizer que Evita é o mais bem-sucedido trabalho assinado por você e Lloyd Webber, no sentido de compartilhamento entre melodia e letra? É difícil dizer. Acredito que sim. Pode parecer arrogante, mas é nosso trabalho mais maduro. Foi nossa terceira grande parceria e acho que ali já sabíamos o que estávamos fazendo. José e Seu Manto Tecnicolor, que foi o primeiro, era dedicado às crianças e alcançou um grande sucesso, por ser diferente do que até então era produzido. Jesus Cristo Superstar nasceu de uma grande ideia e tem uma belíssima melodia. Pensando melhor agora, eu diria que a letra das canções de José são melhores que a melodia, enquanto em Superstar aconteceu o contrário. Já em Evita, há uma equiparação. Daí, talvez, ser esse nosso melhor trabalho.
'Jesus Cristo' nasceu de grande ideia e tem uma melodia belíssima
Como descreveria seu trabalho com Lloyd Webber?Bem, faz muito tempo que trabalhamos juntos, e hoje só nos vemos socialmente. Na época, praticamente morávamos sob o mesmo teto, que tanto podia ser a minha casa como a dele. Nós desvendávamos juntos a história que queríamos contar. Quando começamos a trabalhar em Evita, por exemplo, não tínhamos ideia da importância daquela mulher - estávamos em 1974 e, na Inglaterra, ninguém a conhecia. Assim, viajei para a Argentina e, na volta, passei três dias maravilhosos no Rio (foi minha primeira visita ao Brasil). Ao retornar, escrevi um argumento e o apresentei a Andrew. Ali, já pensamos em como seria a cena do balcão e ele começou a pensar na música assim (estala os dedos). Comecei a escrever as letras das canções, que eram passadas para ele. Andrew me devolvia com as melodias sugeridas para que eu fizesse as adaptações. Foi um trabalho conjunto muito bem-sucedido.