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Teatro do Incêndio tece retratos urbanos em ‘O Santo Dialético’

Companhia fundada por Marcelo Marcus Fonseca mergulha na 'Teoria do Brasil', obra do antropólogo Darcy Ribeiro

colunista convidado
Por Leandro Nunes
Atualização:

“Eu gostaria que a Revolução Industrial não tivesse acontecido”, brada o diretor Marcelo Marcus Fonseca. Sem possuir um celular e recente dissidente do Facebook, ele afirma que a vida é ótima assim, exceto pelo resultado da troca do trabalho artesanal pelas máquinas ocorrida na Europa do século 17 e 18. “Foi a maior destruição dos recursos naturais já feita e não há chance de recuperar.” 

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Fundador do Teatro do Incêndio que já atinge as duas décadas, Fonseca acredita que seu trabalho na direção da companhia pode não reverter a Revolução Industrial, mas recuperar ancestralidade no cotidiano da metrópole. Tema de O Santo Dialético, nova montagem do grupo que estreia neste sábado, 20.

Se, entre prédios e carros, o terreno é propício para a extinção do rito, também é no asfalto que a peça faz brotar o drama de diversos habitantes. Entre eles, a dor de um casal de negros evangélicos que não consegue conceber um filho. “É a fé que serve como esperança”, conta Fonseca. Em outro retrato, um índio que deixou sua tribo ainda criança e se torna padre. “Ele não descobre que o sacerdócio não se encaixa na vida.” 

Bailado. Passos de maneiro- pau, dança típica do Ceará Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Como o título da montagem, cabe a missão de dar conta de tantas contradições. Fonseca explica que os retratos criados procuram tensionar as nossas origens, inspirado na Teoria do Brasil, de Darcy Ribeiro e, mais uma vez, resgatar a importância do mito. “A gente precisa conhecer o Brasil fecundado, que não é negro, nem índio e nem europeu. Brasileiro é uma cor.” 

Para ele, a compreensão dessa mistura dificulta, senão, o desenvolvimento de políticas reparadoras, como demarcação de terras para os indígenas. “O índio não existe”, afirma o diretor Fonseca. “Foi esse o nome que o europeus deram aos nossos primeiros habitantes. O índio está descaracterizado. A ajuda oferecida a eles foi ajuda de branco.”

Dividido em dois atos, o espetáculo vai procurar desenvolver tais crises. Na história do casal cristão, a obsessão por engravidar causa a mulher uma série de visões, entre elas, a de Omolú, o orixá africano, senhor das doenças. Em outro momento, seu marido ouve o som do berimbau e dos tambores africanos. “Estão sendo atraídos às suas origens”, explica o diretor.

Com um elenco jovem, Fonseca acredita que a energia da juventude tem capacidade de sacudir o aparente cansaço de sua geração. “É fácil desistir do palco. Eu tenho 45 anos e vejo muitos artistas da minha idade partindo para outra. Nós precisamos dos jovens para nos tirar do lugar.” 

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Com tanto fôlego e disposição, o corpo dos atores ganha espaço no palco, no embalo de danças populares como jongo, coco, carimbó e maneiro-pau.Tamanha energia justifica uma montagem que tem quase três horas de duração. Antes de seguir para o segundo ato, a peça faz uma pausa para um encontro do rito com o paladar. Fonseca explica que o público terá a oportunidade de saborear pratos típicos brasileiros e a comida dos orixás. “Vai ter feijoada, acarajé, frango com quiabo, e o amalá, uma comida votiva”, conta, entusiasmado. 

O SANTO DIALÉTICO. Teatro do Incêndio. R. 13 de Maio, 53. Tel.:2609-3730. Sáb., 20h. Dom., 19h. R$ 5. Estreia 20/2. Até 17/4.

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