Rodrigo Pederneiras e Grupo Corpo transformam sentimentos em passos

Coreógrafo mineiro conseguiu criar um vocabulário próprio para a dança que traduz a brasilidade

PUBLICIDADE

Por Juliana Ravelli
Atualização:

Muito se fala sobre como Rodrigo Pederneiras conseguiu criar um vocabulário próprio para a dança que traduz a brasilidade. O que talvez, observando mais profundamente, seja possível perceber é que o coreógrafo mineiro transforma em passos os mais genuínos dos sentimentos. E são dois de seus balés mais emotivos, Lecuona e Dança Sinfônica, que o Grupo Corpo exibe a partir desta quinta-feira (4) no Teatro Alfa, em São Paulo. As apresentações, que integram a Temporada de Dança, seguem até o dia 14. No próximo mês, a companhia, que completou 40 anos em 2015, dança em Belo Horizonte e no Rio.

Segundo Rodrigo, há pelo menos seis anos, Lecuona não era apresentado. O balé, que estreou originalmente em 2004, enveredou-se por um caminho diferente dos trabalhos que o coreógrafo vinha fazendo desde 1992, quando o Corpo passou a usar apenas trilhas especialmente compostas. Nos anos 1980, o jornalista e crítico de arte João Cândido Galvão (1937-1995) deu para Rodrigo uma fita cassete com músicas do cubano Ernesto Lecuona (1895-1963). A fita estragou. Durante anos, o coreógrafo tentou encontrar o álbum, mas não conseguiu.

Grupo Corpo mostra 'Lecuona' Foto: José Luiz Pederneiras/Divulgação

PUBLICIDADE

Vinte anos depois, quando Rodrigo andava por São Francisco, nos Estados Unidos, decidiu entrar na Amoeba Music, uma loja independente com milhares de álbuns novos e usados, no fim da famosa Haight Street. “Do nada, me deparei com um único CD que tinha lá do Lecuona. Nem tinha muita certeza de que eram as mesmas canções. Quando cheguei em casa e vi que eram, enlouqueci. São quatro intérpretes diferentes, mas todas com o próprio Lecuona ao piano e tocando com a orquestra dele”, recorda. 

A missão, em seguida, foi convencer o irmão Paulo Pederneiras, diretor artístico do Corpo, que um balé tinha de nascer dali. Deu certo. “Fizemos e foi tão gostoso. Talvez seja o balé que as pessoas mais gostem. Acho que é porque ele pega muita coisa, tem aquele drama cubano das letras e que, às vezes, passa do limite e fica até engraçado. Então, tem um lado engraçado, um lado que é muito romântico, um muito sensual. Mistura um monte de coisas que acho que deu uma sopa boa”, afirma Rodrigo. Doze pas de deux manifestam as diferentes nuances dos amores latinos, da paixão à vingança. Os casais só se reúnem no fim, em uma grande valsa.

Celebração. Rodrigo é apaixonado por música. “Desde novo, eu queria mesmo era ser músico. Acho que não fui porque era muito preguiçoso (risos). Não sei trabalhar sem música. Aliás, não vivo sem ela.” E é a música que sempre guia o coreógrafo durante as criações. Foi para celebrar os 40 anos do Corpo, no ano passado, que Rodrigo e Paulo pensaram em uma trilha grandiosa para Dança Sinfônica. Marco Antônio Guimarães (fundador do grupo Uakti) compôs a obra, gravada pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, sob regência do maestro Fábio Mechetti.

O balé é uma grande homenagem à memória e tradição da companhia mineira. Rodrigo uniu ideias antigas guardadas na memória e movimentações novas para criar a coreografia. Presta alguns tributos a pessoas que passaram pelo Corpo e aos que ainda estão na trupe. Mas quem não viveu essas quatro décadas de história dentro do grupo dificilmente reconhece essas referências. O mesmo ocorre com o cenário, composto por mais de mil fotos – tiradas por muita gente que esteve com a companhia desde 1975. Da plateia, não é possível enxergar os detalhes. É preciso estar no palco. Dança Sinfônica é uma obra muito pessoal e, também por isso, tão emotiva. Para o público, não é necessário saber de onde vem cada passo nem conhecer os homenageados para sentir-se parte de tudo aquilo. 

No ano passado, o Corpo também estreou outro balé: Suíte Branca, de Cassi Abranches. Desde o fim dos anos 1980, Rodrigo era o único coreógrafo da companhia. A paulista – que foi bailarina do grupo durante 12 anos – é apontada por ele como sua sucessora. “Aquilo foi só o início de uma coisa que terá continuidade. O que não quer dizer que eu vá cair fora de uma vez. Acho que é preciso ter esse revezamento mais progressivo até a coisa se concretizar. Acho legal a vinda da ‘loirinha’ (Cassi), porque estou ficando velho e acabado”, comenta entre risos. 

Publicidade

Planejamento e organização são duas das características que fizeram do Corpo a maior companhia de dança do Brasil. E, em tempos de crise, é o profissionalismo com que o grupo é administrado que permite que ele continue criando. “A gente não quer deixar a coisa parar. Agora, estamos trabalhando com o pessoal da Fundação Dom Cabral, aprendendo com eles que sabem administrar de verdade. Colocamos um pessoal aqui dentro e estamos organizando as coisas mais ainda. A gente tenta não deixar a peteca cair.”

Até o fim deste ano, o Corpo vai se apresentar nos Estados Unidos, Alemanha, Luxemburgo, França e Suíça. Justamente por causa da agenda internacional cheia, desde 1999 a companhia estreia um balé só a cada dois anos. Segundo Rodrigo, haverá um novo trabalho no ano que vem. No entanto, como o compositor da trilha ainda não foi definido, o coreógrafo não determinou o tema. Porque, afinal de contas, tudo depende da música. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.