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Irene Ravache é tema de livro de fotos que retratam sua vasta carreira

Atriz conta como viveu papéis que delinearam nova posição da mulher no mundo moderno

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Não é fácil acreditar, mas Irene Ravache jura que detesta fazer pose para fotografias. “Certa vez, aceitei ser clicada para um ensaio de uma grande revista e, na hora, quando preparavam luz e flash, me arrependi”, conta. “Eu me sinto muito mal, desconfortada, e, para enfrentar aquele desafio, comecei a rezar – não sei quantas Salve, Rainha declamei naquele dia.” Na verdade, o que ela não gosta é de posar como Irene Ravache. “Quando interpreto algum personagem, não vejo nenhum problema.” É o que justifica a qualidade do livro Simples Assim, Irene (M.Books), de Cacau Hygino, que será lançado hoje, no Rio de Janeiro.

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Trata-se de uma carinhosa fotobiografia, com imagens de todos os momentos da carreira de Irene. E não é pouca coisa – estreando profissionalmente em 1962, a atriz já contabiliza 22 peças teatrais, 32 trabalhos na TV entre novelas e séries, e 13 filmes de cinema. E a foto de cada trabalho vem acompanhada de alguma frase marcante daquele personagem. “Uma biografia tradicional não condizia com a personalidade de Irene – mulher prática, moderna e simples”, justifica Cacau Hygino, que já escreveu sobre a vida e a obra de Nathalia Timberg. “Foi isso que também inspirou o título do livro.”

De fato, com exceção de uma rápida biografia logo no início, a obra é uma coleção de imagens de importantes momentos da cultura brasileira. Afinal, Irene participou de espetáculos teatrais marcantes, como Roda Cor de Roda (1975), De Braços Abertos (1984), Intimidade Indecente (2003) e, mais recentemente, Meu Deus!; na TV, entre tantos trabalhos, esteve no elenco de Beto Rockfeller (1968), novela da Tupi que modernizou a teledramaturgia brasileira; e, no cinema, tem passagens definitivas em Lição de Amor (1975) e Doramundo (1978).

Atriz. Aos 71 anos, inúmeros trabalhos no teatro e TV Foto: Wilton Junior|Estadão

A estreia, porém, foi marcada pela timidez. Era 1962 e uma jovem e inexperiente Irene decidiu seguir à risca todas as instruções do diretor Kleber Santos na peça Aconteceu em Irkutsk, de Aleksei Arbusov. Atenta, observou ainda a movimentação dos colegas mais velhos como aprendizado, que foi útil no espetáculo seguinte, Aonde Vais, Isabel?, de Maria Inês Barros de Almeida, montado em 1963 e repleto de outros jovens que também conquistariam o sucesso, como Dirce Migliaccio, Ari Coslov e Enio Gonçalves.

Os tempos conturbados – no ano seguinte, os militares tomariam o poder – contribuíram para Irene enveredar para um teatro mais politizado, especialmente o clássico Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri e com direção de Oduvaldo Vianna Filho, que lhe deu o papel de Mariazinha ao perceber seu talento na leitura do texto – Irene fez isso enquanto as verdadeiras candidatas não chegavam.

“Mas a ascensão começou pelas mãos de Antonio Abujamra, no texto inovador de Leilah Assumpção, Roda Cor de Roda”, observa o teledramaturgo Silvio de Abreu, em texto publicado no livro. “Quem viu a explosão cênica de Irene, solta, segura, despudorada naquele espetáculo, ao lado de Lilian Lemmertz, jamais a esqueceu.” De fato, com esse espetáculo, montado em 1975, Irene Ravache iniciou a coleção de um série de papéis que, cada um em seu momento e da sua forma, serviu para delinear os diversos perfis da mulher moderna.

Sobre Roda Cor de Roda, aliás, o crítico Sábato Magaldi, do Jornal da Tarde, escreveu com sua habitual agudeza: “Sem desfraldar a bandeira feminista, que poderia reduzir o seu teatro pelo ímpeto panfletário, Leilah investiga em profundidade a condição feminina. E, a partir da mulher, ela analisa a sociedade e a própria condição humana”. Mesmo sem planejar, Irene assumiu essas palavras como guia, que a levaram a montar depois textos pioneiros.

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“Em Roda Cor de Roda, a mulher deixa de ser oprimida, mas se transforma em opressora”, avalia Irene que, em De Braços Abertos (1984), de Maria Adelaide Amaral, observa o surgimento da mulher satisfeita com a relação amorosa, mas que parte para um caso paralelo.

“Já em Intimidade Indecente (de 2003, novo texto de Leilah), temos a trajetória de um casal em que a mulher se renova à medida em que vive separada do marido, mas ainda tem amor por ele”, completa a atriz.

Ainda que o teatro sempre fosse sua verdadeira casa, Irene Ravache passou boa parte de sua carreira também na televisão, especialmente no início, quando precisa complementar o parco salário oferecido pelos palcos. E, curiosamente, ela não começou em uma novela – em 1962, na extinta TV Rio, Irene estreou na telinha com o programa Pergunte ao João, apresentado pelo professor e pesquisador João Evangelista. No ano seguinte, Irene assumiu o comando, em que lia questões enviadas por telespectadores do tipo “por que derrubar sal dá azar?” e que eram respondidas por uma marionete.

Irene também teve uma curiosa passagem pelo telejornalismo, ainda na TV Rio, em 1964, quando lia notícias leves. “Eu estava cercada de feras: Heron Domingues (famoso no rádio pelo Repórter Esso), Léo Batista, Ibrahim Sued, Nelson Rodrigues, João Saldanha, Borjalo. A direção era dividida entre Walter Clark e Armando Nogueira. Eu, ali naquele meio, grávida do primeiro filho, Hiram.”

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A necessidade obrigou-a a se desdobrar: Irene conciliava televisão, teatro e, de quebra, encerrava o dia no teatro de revista de Carlos Machado, conhecido como o Rei da Noite.

Apuros, aliás, não faltam em sua carreira, todos relatados no livro de Cacau Hygino. Como o teste que fez para o musical Hello, Dolly, de 1965. Nervosa, esqueceu a música que pretendia cantar, mas não fez de rogada – cantou Parabéns pra Você e dançou com perfeição as coreografias da peça. Ganhou um papel.

Irene Ravache passou por emissoras que já não existem mais como TV Rio, Excelsior, Tupi, além das atuais Record, Bandeirantes e SBT. Além de Beto Rockfeller, ela atuou na Tupi também em A Viagem, de 1975, escrita por Ivani Ribeiro, folhetim que lhe rendeu os principais prêmios do ano. Mas foi na Globo que consolidou sua imagem de grande atriz de novela. “Há nas suas intenções, sempre, uma carga de inocência e de vital ironia. Um patético desafiador. Jamais chega ao deboche desagregador”, observa Fernanda Montenegro, em depoimento publicado no livro.

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Ela começou na emissora carioca em 1965, com Paixão de Outono, mas um de seus grandes desafios foi o de assumir a bancada do TV Mulher, em 1980, substituindo Marília Gabriela em uma época em que a redemocratização se aproximava, o que pautava o tom das entrevistas que conduzia. Hoje, é uma das protagonistas de Além do Tempo, a novela das 18 horas, que agora vive uma nova fase. “É uma mudança radical não apenas do tempo da história (agora, estamos nos dias atuais), mas também na personalidade da personagem.” Como Condessa Vitória, ela soma mais uma grande imagem à sua bem-sucedida carreira.  

SIMPLES ASSIM, IRENE Autor: Cacau HyginioEditora: M.Books (192 págs., R$ 69) Lançamento no Barra Brisa Hotel. Av. Lúcio Costa, 5700, Rio de Janeiro. A partir de 20h.

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