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Grupo Galpão experimenta via performativa em peça sobre violência

Dirigida por Marcio Abreu, montagem explora a dimensão política entre público e privado

Por Leandro Nunes
Atualização:

Às portas de completar 34 anos de existência, o Galpão é dos poucos grupos brasileiros que conserva uma visão de encantamento em seus espectadores. Superar isso foi a missão do diretor Marcio Abreu, convidado a dirigir Nós, o novo trabalho dos mineiros que estreia nessa quinta, 18, no Sesc Consolação, depois de passar por Minas e Rio de Janeiro.

Ele conta que essa fascinação o acompanha desde montagens como Os Gigantes da Montanha (2013), que marcou os 30 anos da companhia e fez sucesso no Festival de Curitiba, e Romeu e Julieta (1992), espetáculo apresentado no Shakespeare Globe Theatre, em Londres, nos anos 2000 e 2012. Ambas as peças dirigidas por Gabriel Villela. “Sou de uma geração que cresceu vendo o Galpão se apresentar. Como espectador, é essa grandiosidade que eu recordo, mas como diretor é preciso encarar o desafio da criação” explica.

‘Nós’. Preparo de uma refeição se torna motivo para discutir os destemperos das relações de ordem pública e privada Foto: Guto Muniz|Divulgação

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O convite, portanto, une artistas com trajetórias sólidas e um tanto distintas. De um lado, Abreu, que comanda a sua curitibana companhia brasileira, cuja última temporada em São Paulo trouxe projeto brasil, espetáculo que tensiona performance e teatro colocando o País em perspectiva. E, do outro, o Galpão, com sua tradição no teatro popular e artistas que convivem nos palcos por mais de três décadas. “Essa aproximação surgiu para investigarmos o problema das diferenças, intolerâncias e o que traz separação entre as pessoas”, conta o ator Eduardo Moreira.

Para Abreu, são temas fundamentalmente políticos, não do ponto de vista comum de assuntos relacionados ao poder, governo e corrupção, mas do que ultrapassa uma única definição. “A dimensão política tratada no teatro não se relaciona, necessariamente, com o diálogo estrito da palavra, como falar de governos e partidos”, ressalta.

A busca por detectar esses outros ecos políticos redundou em uma narrativa bastante concreta. A peça se desenrola durante o preparo de uma sopa, uma última refeição, conta Moreira. “Não se sabe quem são as pessoas e quais as relações entre elas. Podem ser amigos, colegas de trabalho ou parentes. O que importa mais é o que estão fazendo.”

Ao redor de uma mesa, o jantar supõe um momento de comunhão entre pessoas que estão reunidas por um objetivo e que partilham interesses em sua concretização. Abreu acrescenta que esse ambiente se torna fértil para conflitos de ordem pública e privada. “A maneira como vemos o mundo e recebemos seus estímulos é trazida durante essa refeição.”

Para Moreira, esses ritos sociais demonstram como se dá a convivência entre diferentes e opostos. “Ainda que o ambiente seja particular, as interferências do externo influem e passar a afastar suas fronteiras.”

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E é por meio dessa cena aberta que Abreu pretende deixar sua assinatura como encenador. “O ato concreto da feitura de uma refeição vincula os atores ao tempo real, esse momento em que estão sendo assistidos. Isso requer uma outra qualidade do elenco em cena.”

Corpo. Aos quase 34 anos, companhia aposta em peça mais performativ Foto: Guto Muniz|Divulgação

O diretor explica que essa afirmação da presença no palco instaura uma via performativa no espetáculo, o que significa uma possibilidade ao singular trabalho de representação já desenvolvido pelo Galpão. “É o desafio de um corpo implicado de maneira clara e horizontal.”

Isso não quer dizer que não haja a representação de personagens, mas a consequência, conta Moreira, é que os limites estão apagados. “São modos menos definidos de estar em cena, em comparação com alegorias.” O ator ressalta que o trabalho com Abreu trouxe um novo modelo de criação. “No geral, partimos de textos já escritos.

Nessa peça, compomos a partir de exercícios entre os atores, textos pessoais. Muita coisa que surgiu foi encaminhada para ser resolvida com uma dramaturgia de cena.” Abreu ressalta que o termo novo não traduz um desconhecimento da companhia. “Não foi uma experiência para ensinar, mas para experimentar possibilidades, e o que surgiu foi novo no nosso pequeno mundo.”

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E esse interesse por mesclar linguagens e falar de intolerância se marca pela própria característica da companhia, fundada em 1982. “O fato de estarem juntos há tanto tempo não significa que eles são uma massa homogênea”, defende Abreu. “No entanto, é da convivência entre diferentes que é possível existir.”

O desejo de Abreu ao trabalhar com a companhia era o de encarar todas as dificuldades típicas de quem cria em conjunto. “Eu não queria só fazer mais um trabalho na minha carreira. No geral, os processos criativos são bastante rudes e ásperos. Não é bonito sempre, nem mesmo no meu grupo, e não quis fugir disso.”

Por outro lado, o que o preocupava era intervir no legado de uma companhia tão sólida. “É preciso aliviar esse peso da história. O que eu quis fazer foi desestabilizar esses lugares arraigados, que eu respeito grandemente”, acrescentou.

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NÓS. Sesc Consolação. Rua Dr. Vila Nova, 245. Tel.: 3234-3000. 4ª, 5ª, 6ª, sáb., 21h; dom., 18h. R$ 12 / R$ 40. Estreia 18/8. Até 11/9.

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