Em tempos olímpicos, ‘Os Arqueólogos’ traz dois locutores esportivos

Texto de Vinicius Calderoni mimetiza cenas da vida comum em boxe e futebol

PUBLICIDADE

Por Leandro Nunes
Atualização:

Os afetos estão raros. No lugar, manifestações de ódio, nas ruas e também na internet, atingem até mesmo atletas olímpicos. Recentemente, entre comentários na página da atleta pernambucana Joanna Maranhão, houve gente que pediu que ela fosse estuprada. Isso no ano de 2016.

Em Os Arqueólogos não há nenhuma cena de estupro, mas a peça que estreia nesta sexta, 12, elege uma dupla de cientistas, com ares de locutores esportivos, para premiar com medalha de ouro a beleza da vida banal. “Existe a ideia de historiadores e arqueólogos que descobrem relíquias e se tornam Indiana Jones. Aqui, a vida cotidiana está sob o olhar desses personagens”, conta o dramaturgo. Em cartaz no Centro Cultural São Paulo, os episódios narrados são diversos: o parto de gêmeos, um casal que discute a relação e crianças que brincam em uma praça. 

Comentaristas. Vinicius Calderoni e Guilherme Magon Foto: Laura Del Rey|Divulgação

PUBLICIDADE

A combinação do trabalho dos cientistas com os acontecimentos do dia a dia poderia servir apenas como uma longa descrição de um museu do agora. Entretanto, o estilo da narração dada pelo dramaturgo faz brotar as surpresas pelo asfalto. “Associei esses episódios com modalidades esportivas, como boxe e futebol”, explica o dramaturgo, que estreia como ator ao lado de Guilherme Magon. 

Com direção de Rafael Gomes, o tom da dupla de cientistas tem o compromisso de criar imagens por meio das palavras. “O jogo entre linguagens e o olhar para o cotidiano são características dos textos do Vinicius Calderoni”, conta. No palco, eles incorporam a personalidade extrovertida e o cacoete típico de locutores. “Há um ritmo em cada esporte, modos de pronunciar as palavras e o suspense presente em cada lance”, explica o dramaturgo. Tudo para atribuir valor ao corriqueiro. “É um tipo de arqueologia íntima, como uma nota fiscal que a gente guarda no bolso”, completa. “Hoje, ela já é um documento e daqui muitos anos poderá descrever os hábitos dessa sociedade.”

Para Gomes, o espetáculo tem um ritmo que dá forma às questões. “A história se aproxima dos detalhes, em seguida se afasta para olhar o todo e depois emburaca.” Isso é feito com mais um recurso dos locutores e do esporte. “Eles falam olhando para o aspecto geral de um bairro, depois anunciam uma determinada modalidade, de acordo com o que a pessoa está fazendo, e, então, se concentram em cada movimento, como uma câmera”, explica o diretor. 

De certa forma, houve um caminho muito semelhante em Arrã, dramaturgia de Calderoni que venceu o Prêmio Shell 2015. O título foi inspirado na expressão comum e presente em qualquer conversa obrigatória e desinteressante. Ao lado dele, na mesma cerimônia, Gomes recebeu o troféu pela direção de O Bonde Chamado Desejo.

Ambos integram a companhia Empório de Teatro Sortido. Ainda que os ossos façam parte do ofício de todo arqueólogo, o dramaturgo também intenta em esticar seu olhar pela linha do tempo, em um exercício de “futurologia”. “Como algumas atitudes realizadas no presente seriam tratadas, daqui cem anos?”, intui. “A gente olha para o passado, na história, e se choca com proibições, violências e torturas. Mas e se no futuro um simples abraço fosse considerado crime?”

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.