Em 'Processo de Conscerto do Desejo' ator mira relação íntima

Matheus Nachtergaele revive poemas da mãe morta quando ele tinha três meses

PUBLICIDADE

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

O teatro, o pacto que se faz com o espectador é o da mentira. Ou, ao menos, o da fé em um simulacro. Muito do que a corrente documental e confessional, atualmente em voga, faz é subverter esse acordo tácito. Embaralhando o que é e o que não é ficção.  Em Processo do Conscerto do Desejo, Matheus Nachtergaele parte de íntima matéria-prima: a relação com uma mãe que para ele nunca existiu (ela se matou quando ele tinha apenas três meses). E se detém sobre os poemas que escrevia, textos em que sua personalidade melancólica se colocava explicitamente. 

PUBLICIDADE

Sinceridade não é virtude que se exija da arte (e nem sempre sua presença é capaz de redimir uma obra), mas é essencialmente isso que Nachtergaele tem a oferecer nessa criação. E é também a esse ponto que o público parece conectar-se quando diante da montagem.Dois músicos, um enorme espelho e um ator que se coloca no palco sem o amparo de um personagem ficcional. Dotado de inúmeros e já comprovados recursos, Nachtergaele nunca escamoteou a pessoalidade nos papéis que escolheu ao longo da carreira.

LEIA MAIS: Matheus Nachtergaele concebe um monólogo com poesias de sua mãe

A visceralidade que o consagrou no Teatro da Vertigem volta a dar as caras agora. Ainda que em outra chave.  Aqui, o caráter performático impõe-se: o intérprete busca amparo na materialidade do corpo e dos poucos objetos que leva à cena. Busca interlocução com o espectador, deixando a proteção do palco e caminhando em meio à plateia. Entrega algumas poucas imagens. E é, sobretudo, nos escritos da mãe, que busca esteio.

A visceralidade que o consagrou no Teatro da Vertigem volta a dar as caras agora. Foto: Leo Aversa|Divulgação

Daí surgem iluminações, mas também fragilidades. Ao assumir o encargo de se autodirigir, Nachtergaele envereda pelas filigranas dessa relação “inexistente”. Nessa vertiginosa dissecação pessoal, o olhar estrangeiro de um encenador poderia ter lhe trazido algum grau de distanciamento. O que, provavelmente, resultaria em melhor teatro. Mas seria honesto?

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.