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Diretor Mauricio Kartun narra o impacto do Teatro do Oprimido em sua produção

Argentino participa de oficina de dramaturgia com a Cia Ocamorana

Por Leandro Nunes
Atualização:

No fim de dezembro de 1970, a cidade de Buenos Aires iria se agitar ao abrigar a temporada de um espetáculo brasileiro. Muitos portenhos não sabiam o que esperar de Arena Conta Zumbi, montagem de Augusto Boal sobre o líder do Quilombo dos Palmares.

Hoje é possível calcular, ao menos, perceber, os frutos dessa internacionalização do teatro brasileiro, tão cara e rara. “Era uma peça dotada de vitalidade, cheio de energia, popular e política, com atores bonitos e atrizes lindas!”, conta o dramaturgo argentino Mauricio Kartun que após o encontro com a obra de Boal deixou a produção de contos para escrever textos teatrais. 

Histórico. Autor recupera massacre da 'Semana Trágica de Buenos Aires' Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

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Ele está no Brasil até esta sexta, 25, para conceder uma oficina aberta de dramaturgia com a Cia Ocamorana, no Galpão do Folias. “Percebi que aquele espetáculo do Teatro do Oprimido continha muita qualidade em seus diálogos, nas canções compostas e no vigor do elenco”, conta. Kartun aproveitou a a estadia de Boal na cidade para ter aulas com o mestre.

Os ensinamentos indicaram um caminho estético que acompanhou suas primeiras criações até as mais recentes, como Terrenal, que acabou de retornar do Festival Tempora Alta, em Girona, na Espanha. Desde 2014, a peça já circulou pelo México, Peru, Costa Rica e País Basco.

A montagem é inspirada no curto episódio bíblico dos irmãos Caim e Abel. “Eu sempre tive a impressão de que a história de assassinato de um dos filhos de Adão e Eva tinha muito mais a dizer do que a simples citação na Bíblia.” O autor se apoiou no mito para estabelecer uma reflexão sobre opostos. “Um deles era nômade, o outro sedentário. Só isso já é uma pista para tratar de um embate mais profundo.”

Cena de 'Terrenal', espetáculo de Mauricio Kartun Foto: Divulgação

Quem surge para desestabilizar esse universo são as linguagens populares, redescobertas no aprendizado com Boal. No palco, Kartun coloca tipos de palhaços (o terceiro personagem é deus). “O clown é o sujeito que não tem limites para roubar o riso, diante do sério e autoritário palhaço branco. O último é o que chamamos de Pierrot, apaixonado e idealista.” O dramaturgo ressalta que essa linguagem é apena pretexto para o que ele deseja como autor. “Me importa encontrar e explorar uma profundidade poética nesses seres, mais que o rigor de representá-los.”

Em certo período, sua produção se voltou para o teatro documental, como as cartas trocadas pelos anarquistas Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, acusados de homicídio e executados em 1920. O diretor da Cia Ocamorana Márcio Boaro acredita que o processo de fundir formas populares a um teatro histórico pode contribuir para a nova empreitada do grupo: a montagem de Coriolano. “Queremos repensar o Brasil diante da história de um general que toma uma cidade e se torna odiado pelo povo.”

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Leitura dramática

No próximo dia 29, o diretor Marco Antonio Rodrigues realiza a leitura de Ala de Criados, texto de Kartun, às 19h, na Casa do Saber, rua Dr. Mario Ferraz, 414. O texto narra o quadro de greves e repressão na Semana Trágica de Buenos Aires (1919).