Claudio Fontana e Elias Andreato estreiam o clássico 'Esperando Godot'

Em um cenário que remete as engrenagens de um relógio, dupla de amigos é especialista em aguardar

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Por Leandro Nunes
Atualização:

A angústia de todo artista é o que mantém viva a obra de Samuel Beckett. Ou o contrário. Por isso, não há tempo que afaste a importância que a obra do dramaturgo irlandês tem para quem é dos palcos. Para Elias Andreato e Claudio Fontana, essa hora chegou. “Nunca me detive em seus textos. No geral, sempre usei fragmentos e ideias,” explica Andreato. Nessa sexta, 9, a dupla estreia Esperando Godot, no Tucarena. 

Sob um palco que representa a face e as engrenagens de um relógio, ambos os atores vão incorporar a clássica dupla Vladimir e Estragon – já interpretada por Cacilda Becker e Walmor Chagas – que espera Godot num lugar deserto. Ao centro, diversas setas, no lugar da árvore, apontam para muitas direções.

Velha dupla. Os amigos Vladimir e Estragon Foto: João Caldas|Divulgação
Velha dupla. Os amigos Vladimir e Estragon Foto: João Caldas|Divulgação

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A ideia de estrear na arena do Tuca caiu como uma luva. “Esse grande círculo inspira o nosso ritmo de vida”, pontua Fontana. “O universo é feito de ciclos, e isso se repete em tudo. A ideia de tempo circular, os dias que vem e vão. É o que nos está dado para viver.” Ao que Andreato completa: “Tudo está em movimento. Até mesmo a hora redonda, que nos parece paralisada, exceto pelo caminhar do ponteiros dos segundos.”

Fontana recorda que o texto de Beckett já estava entre as peças que desejava fazer em sua carreira. Foi no fim da temporada de Um Réquiem Para Antonio (2014), peça sobre os compositor Mozart e Salieri e protagonizada pela dupla, que Andreato perguntou qual era a próxima peça que Fontana queria fazer. “Existem obras que todo ator tem a obrigação de mergulhar”, Fontana explica em referência às peças de Shakespeare e Édipo Rei, de Sófocles, encenado em 2011, com direção de Andreato. “Agora vai faltar Fausto, de Goethe”, afirma. 

Ele explica que a escolha pela obra de Beckett também passa por tentar compreender o que está acontecendo no mundo. “No geral, há um clima de instabilidade em muitos países e continentes, começando pela crise da imigração em muitos lugares da Europa, além de questões econômicas, até chegar na instabilidade atual do Brasil. Beckett escreveu essa peça no pós-guerra e ele anteviu esse período tenebroso para nós.”

Se os ponteiros do relógio não param na peça, a espera por Godot é logo interrompida pelo pomposo e autoritário senhor Pozzo e seu escravo Lucky, interpretados por Raphael Gama e Clovys Torres. A criança que logo surgirá para dar recados da conta de Godot é vivida por Gui Bueno. Para Elias, todos esse elementos cultivam o clima de ansiedade na montagem, o que não é um caminho muito fácil de trilhar. “O tempo está passando cada vez mais veloz, e não é impressão minha. Isso abrevia até mesmo o sofrimento e a alegria. Está impossível viver integralmente”, diz. “Talvez, por conta da velhice que vai chegando, a gente vai entendendo aos poucos. Mas pode ser que Godot já tenha passado e eu nem tenha percebido.”

Fontana confirma que a passagem do tempo tem suas benesses, juntamente com alguns percalços. “A vida de um artista é feita de muitas esperas. Nós aguardamos que projetos deem certo, e que tenham vida longa. É preciso saber administrar os sentimentos, apesar de tudo. Acho que Godot fala essencialmente de conservar a esperança.”

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ESPERANDO GODOT. Tucarena. Rua Monte Alegre, 1024. Tel.: 3670-8455. 6ª e sáb., 21h; dom., 19h. R$ 50 / R$ 60.  Estreia 9/9. Até 27/11.