Cia Antropofágica visita o repertório na comemoração de 15 anos

'Desterrados' retoma as engrenagens teatrais construídas pelo artista polonês Tadeusz Kantor

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Por Leandro Nunes
Atualização:

Bem longe da intensa chuva de granizo que caiu na quarta, 22, sobre São Paulo, um grupo de estranhos alunos vestidos de preto se acomodava em antigas carteiras. O desejo de evocar a famosa Classe Morta, obra do artista Tadeusz Kantor, tem sido uma das investigações comuns da Cia Antropofágica. 

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Em 2015, o grupo teve em sua sala de ensaio duas importantes figuras envolvidas com a obra do polonês. Nesta sexta, 24, o grupo revisita seu repertório com a estreia de Desterrados - Ur Ex Des Machine no Centro Cultural São Paulo. A temporada que marca os 15 anos da companhia concebe no palco as máquinas e engrenagens kantorianas para descobrir as origens de quem está à margem, explica o diretor Thiago Reis Vasconcelos. “É uma pergunta política, o que faz essa máquina que produz desvalidos e desterrados?”

Em uma cena com mais de 20 pessoas, entre atores e músicos, o espetáculo encontra no maquinário de Kantor uma oportunidade de encaminhar questões particulares, e avançá-las. “Em Classe Morta, nós sugerimos uma continuidade, uma maneira de implodir essa legião de mortos”, diz.  Cada momento da criação foi acompanhado pelo pesquisador norte-americano Michal Kobialka. Em 2015, ele esteve em São Paulo durante a exposição que marcou o centenário de Kantor. “Foi ele que nos colocou em contato com a atriz Ludmila Ryba, que trabalhou com o polonês.” Esse suporte na criação permitiu que a companhia dialogasse com eventos como as Jornadas de Junho no Brasil, no protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, e mais recentemente, desde o ano passado, com a ocupação das escolas no Brasil pelos alunos secundaristas. “Há também o verde-amarelismo dos protestos contra a corrupção, um movimento que encontra pares no mundo todo, cada qual com a sua causa”, explica Vasconcelos.

Origem. Elenco na máquina kantoriana Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

  Amparado por um grande arsenal de figurinos, cenografia, o texto falado tem pouco protagonismo. Para o diretor, explorar a visualidade na peça pode equilibrar-se diante dos atuais discursos, tão incendiados. “O tempo em que vivemos exige formas que reconectem o teatro para além da organização, além de uma polarização. Isso pode acontecer quando bagunçamos tudo.” Vasconcelos acrescenta que é muito propício que grupos na cidade defendam posições partidárias e políticas em suas peças, embora ele acredite que a ação possa emperrar a fruição artística. “Não há problema em ser panfletário nos espetáculos, mas não podemos massacrar a subjetividade do público, já que cada pessoa ali tem sua identidade. Uma ideologia não é o suficiente para o teatro que nasceu para ser tão coletivo.” 

DESTERRADOS Centro Cultural São Paulo. Rua Vergueiro, 1.000. Tel.: 3397-4002. 6ª e sáb., 21h; dom., 20h. Grátis. Estreia hoje, 24. Até 12/3.

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