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‘Chacrinha – O Musical’ mostra como o Velho Guerreiro mudou a TV

Peça de Andrucha Waddington com Stepan Nercessian chega a São Paulo nesta 6ª; leia entrevistas com Rida Cadillac e Elke Maravilha

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Diante das câmeras de televisão, Chacrinha era alegria pura: brincava com os calouros, incentivava a plateia, acariciava cantores e cantoras. Em casa, quase sempre trajando apenas cuecas, era um homem irritado, disparando palavrões e lamentando que o índice de audiência do domingo anterior não fora melhor, mesmo que seu programa, Buzina do Chacrinha, fosse um eterno líder no ibope. É esse artista bipolar, que tanto revolucionou a TV brasileira como era impaciente fora de cena, que inspira Chacrinha - O Musical, espetáculo que estreia sexta-feira no Teatro Alfa, depois de uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro (mais de 80 mil pessoas assistiram).

“Charles Chaplin subdesenvolvido”, na observação de Nelson Rodrigues, Chacrinha (1917-1988) apresentou novos caminhos para a TV brasileira ao comandar extravagantes concursos de calouros, revelar grandes nomes da música brasileira e inventar bordões tanto originais como infames. “Até hoje, qualquer canção que foi sucesso dos anos 1970 e 1980, passou pelo auditório do Chacrinha”, acredita Stepan Nercessian, ator que personifica o Velho Guerreiro com garra e inteligência.

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Stepan vive o comunicador em sua fase mais famosa, quando trabalhou na televisão, momento que domina o segundo ato do espetáculo. No primeiro, quem reina é Leo Bahia, jovem ator que vive a adolescência e juventude de Abelardo Barbosa, nordestino que, graças à sua aguda percepção sobre os interesses culturais populares, descobriria como construir um personagem que cairia nas graças do povo. “O início do espetáculo revela como Abelardo encontra os caminhos que o transformaria em Chacrinha”, diz Bahia.

“Ele foi o primeiro palhaço da TV brasileira, o artista que arrancou a gravata e passou a tratar o espectador sem nenhuma cerimônia”, comenta Pedro Bial, autor do roteiro do musical, escrito em parceria com Rodrigo Nogueira. “Fazemos um tributo à imaginação ao mostrar como foi inconsciente o processo de transformação de Abelardo em Chacrinha.”

Estreante como diretor de teatro, o cineasta Andrucha Waddington brinca ao definir Chacrinha - O Musical como um espetáculo formado por dois longos planos-sequência: o primeiro e o segundo atos.

Criação. No processo de criação de Chacrinha, Stepan Nercessian evitou consultar vídeos e outros documentos. “Só recorri a eles quando o personagem já estava construído, apenas em busca de detalhes”, comenta o ator, que impressiona pela fidelidade nos gestos e tom de voz - Stepan exibe a mesma forma miúda de andar do Velho Guerreiro, os abraços abertos para a plateia, a voz rasgada ligeiramente rouca e até minúcias, como a forma de acertar os óculos no rosto.

“Chacrinha obrigou a televisão brasileira a encontrar uma nova linguagem graças às novidades que trouxe em seu programa”, observa Stepan. “Na Buzina do Chacrinha, a câmera não ficava presa no tripé, pois tinha que correr atrás dele, que se movimentava por todo o palco. Ele distribuía afeto para a plateia e o público de casa. Era a personificação de um Brasil livre, solto.”

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A divisão em dois atos do musical serve para mostrar a mudança radical na vida de José Abelardo Barbosa de Medeiros, o pernambucano que não concluiu o curso de medicina para se tornar locutor na Rádio Tupi do Rio, em 1939, até se consagrar como Chacrinha, grande comunicador que logo chegou à TV, fantasiado, com uma buzina estridente pendurada no pescoço e sempre disposto a jogar, sem cerimônia, objetos no auditório, de bacalhau a farinha.

“O primeiro ato mostra justamente essa transformação”, conta Leo Bahia, que vive o jovem Abelardo. “É como se uma tela branca fosse, aos poucos, pintada com elementos extravagantes como buzina, abacaxi, até se transformar em um retrato vivo no segundo ato.” Jovem notável que despontou com uma versão descompromissada de The Book of Mormon, Bahia lembra que moldou seu personagem a partir de observações de como Stepan compunha o seu. “Era importante o público notar as pistas que explicam como Abelardo se transformou em Chacrinha.”

Essa transição mostra também como a ansiedade se tornou cada vez mais constante na rotina de Chacrinha, a ponto de torná-lo um homem extremamente raivoso fora de cena, disparando palavrões e ofendendo as pessoas. Um dos alvos principais foi José Bonifácio Sobrinho, o Boni, responsável pela implantação do padrão Globo de qualidade, que alçou a emissora à liderança no Brasil, mas que, muitas vezes, divergia em opiniões com Chacrinha - o musical mostra constantemente eles trocando ofensas.

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“Eram dois perfeccionistas que buscavam a mesma finalidade, mas por caminhos distintos”, acredita Stepan. Ele conta que Boni assistiu a um ensaio, antes da estreia no Rio, no ano passado. “Foi muito generoso, não mudou nada, mesmo que seu personagem apareça, muitas vezes, como um vilão. Na verdade, Boni sugeriu uma cena, que foi incluída: a conversa dele com Florinda, mulher do comunicador, que resultou na reaproximação dos dois.

Com um orçamento de R$ 12 milhões, a montagem é assinada pela Aventura Entretenimento, maior produtora de musicais do País, e comprova o que foi dito, nos anos 1970, pelo filósofo francês Edgar Morin - em visita ao Brasil, ele assistiu ao programa de Chacrinha. Com o dom do improviso e senhor de uma alegria circense, o apresentador impressionou o intelectual estrangeiro, que elegeu o anárquico animador de plateias um fenômeno da comunicação em massa. 

PRESTE ATENÇÃO

1. Na bela cenografia de Gringo Cardia, com tonalidade mais delicada no primeiro ato e com uma explosão de cores no segundo.

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2. No improviso obrigatório de Stepan Nercessian a cada espetáculo, quando sobe ao palco um novo calouro, vindo da plateia.

3. Na cena em que Chacrinha vai preso, depois de ofender a responsável pela censura do governo militar, Solange Hernandes, e é libertado pelas chacretes.

4. Na relação de amor e ódio desenvolvida entre Chacrinha e Boni, o todo poderoso da TV Globo, ao longo de vários anos.

5. Na coreografia de Alonso Barros, que combina bem o ritmo nordestino com o rock e a sensualidade necessária das chacretes.

Rita Cadillac Foto: Arquivo

ENTREVISTA - Rita Cadillac, rainha das chacretes

‘Ele era muito cuidadoso com a gente’

Como foi assistir ao musical?

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Foi como voltar no tempo. Guardo todos aqueles momentos na memória, pois Chacrinha era uma presença obrigatória ao nosso redor. Estava ali, sempre. Nos hotéis, quando viajávamos, somente no seu quarto funcionava o telefone e, se alguém pusesse o pé no corredor, ele escutava. E, no avião, Chacrinha tinha uma superstição: todos tínhamos que viajar juntos, lado a lado. Nenhum desconhecido podia sentar no meio da gente. Se isso acontecesse, nenhum de nós viajava. Era muito cuidadoso com a gente.

Não era sufocante?

Sim, mas ele queria preservar nossa imagem e do programa. Lembre-se que, naquela época, anos 1970, o pudor era mais forte. Quem trabalhava no teatro ou na televisão, não vinha de boa família – é o que se pensava. Para você ter uma ideia, nem os maridos das chacretes casadas podiam pegá-las na porta da emissora – vai que alguém, que não soubesse ser um casal, pensasse bobagem.

No palco, Chacrinha era realmente imprevisível como parecia para quem assistia à televisão?

Sim, ele fazia o que vinha à cabeça. Se sentia que o programa estava ficando sem graça ou repetitivo, começava a andar pelo palco, incentivando o público com canções, fazendo com que dançássemos de forma mais animada. Chacrinha era realmente obcecado pelos índices de audiência, não admitia perder nenhum ponto. Isso realmente o deixava muito enfezado.

Durante quantos anos você foi chacrete?

Durante nove anos. E isso que era para eu ficar só três meses... Chacrinha gostava de mim, às vezes me convidava para tomar um lanche. Devo tudo o que aconteceu na minha carreira a ele. / U.B.

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Elke Maravilha Foto: Estadão

ENTREVISTA - Elke Maravilha, jurada

‘Tudo era um improviso organizado’

O que achou do musical?

Assisti três vezes e chorei copiosamente. Foi a primeira vez que fizeram um espetáculo decente sobre o Chacrinha, sem parecer uma caricatura. Ao contrário, ali vemos toda a genialidade dele, dentro e fora do palco.

Ele era realmente estressado fora de cena?

Sim, a vida dele era o programa. Chacrinha comia e dormia pensando no trabalho. Era um obstinado e via tudo o que acontecia em cena.

Como assim?

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Às vezes, em alguns programas, eu me distraía com a plateia ou com algum convidado. Quando chegava o intervalo comercial, ele se voltava para mim e dizia: “Elke Maravilha (ele só me chamava pelo nome completo), você está dormindo?” Eu adorava.

Havia muito improviso ou tudo era bem marcado?

Muito improviso, embora ele fosse muito certinho. Digamos que dominava um improviso organizado (risos). Mas, quando ele me olhava de um jeito que só eu sabia, tinha certeza que se perdera, não sabia bem o que fazer.

E o que acontecia?

Ele gritava “Teresinha!” para o auditório ou puxava alguma música. Aliás, ele não decorava nenhuma letra, nem as mais conhecidas. Era comum ele começar (cantando): “Maria Sapatão, Sapatão, Sapatão...”, aí ele não sabia mais e ficava soltando grunhidos.

Chacrinha não gostava do que?

De puxa-saco, especialmente quando era um político. Quando era obrigado a receber algum, que começava a elogiá-lo, ele dizia para o auditório: “o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais”. E, se o cara não parava, Chacrinha me chamava pra eu encher o cidadão de beijos, deixando o rosto todo vermelho. Aí ele ia embora, envergonhado. / U.B.

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CHACRINHA, O MUSICAL

Teatro Alfa. R. Bento Bco. de Andrade Filho, 722, 5693-4000. 5ª, 21h; 6ª, 21h30; sáb., 16h e 20h; dom., 19h. R$ 50/ R$ 180. Até 26/7. Estreia sexta.

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