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Cenografia e figurinos de Gianni Ratto ganham mostra com obras inéditas

Italiano dirigiu peças emblemáticas como 'O Beijo no Asfalto', com Fernanda Montenegro

Por Leandro Nunes
Atualização:

Os meses que antecederam a renúncia do então presidente do Brasil Jânio Quadros, em agosto de 1961, foram marcados pelos rápidos toques nas teclas da máquina de escrever de Nelson Rodrigues.

O Beijo no Asfalto, peça encomendada pelo Teatro dos Sete, ainda não estava pronta quando a companhia foi fundada em 1959 por Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Luciana Petrucelli, Alfredo Souto de Almeida e o cenógrafo Gianni Ratto (1916-2005).

O cenógrafo Gianni Ratto Foto: Olga Vlahou/Divulgação

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Registros, croquis, maquetes e memórias sobre vida e obra do artista italiano ganham mostra em exposição no Sesc Consolação, a partir dessa terça, 7, e quarta, 8, com abertura para o público.

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O Beijo no Asfalto estreou dois meses antes que a carta renúncia de Quadros denunciasse “forças ocultas” e a peça parecia antever, ao retratar um escândalo de proporções midiáticas, as duras décadas que estavam por vir no Brasil, como lembra Fernanda (leia ao lado). 

É estranho pensar que o sucesso do cenógrafo na Itália foi um dos motivos para que aceitasse o convite da atriz Maria Della Costa de vir ao Brasil. “Meu pai era muito reservado, trabalhava muito e criava coisas que eu ainda não tinha conhecimento”, conta Antonia Ratto, responsável pelo acervo do pai e por assinar o roteiro do documentário A Mochila do Mascate (2006), filme com o qual repetiu a trajetória ao lado de Ratto pelo país natal, o mesmo título da autobiografia que acabou de ser relançada pela Editora Bem-Te-Vi. “Ao visitar os teatros que ele trabalhou, descobrimos arquivos inteiros e tombados”, recorda.

Um deles é o Scala de Milão, que abriga desenhos de figurinos e cenários feitos para o balé Pulcinella, de Stravinski. “Esses croquis acabaram reforçando um dos temas centrais da exposição, a Commedia Dell’Arte, linguagem que é substrato da formação e da poética de meu pai.”

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Curadoras. A historiadora Elisa Byington e a filha do cenógrafo, Antonia Ratto Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

Outra novidade foi a construção de um vitral para a encenação de Assassinato na Catedral, de T.S. Elliot, na Toscana, no ano de 1948, conta a historiadora Elisa Byington. Ao comparar fotos da igreja, ela notou que não havia vitrais na arquitetura original. “Gianni aproveitou os arcos ogivais e construiu um imenso vitral especialmente para o espetáculo.”

O ritmo de sua produção – Ratto chegou projetar sete cenários em um dia para o Piccolo de Milão, do qual foi cofundador, e para do Alla Scalla – foi substituído pela estreia brasileira de O Canto da Cotovia, em 1954, como a primeira direção do cenógrafo. Para este longo período, há uma sessão especial na exposição, que compreende os primeiros anos com a companhia de Della Costa, o Teatro Brasileiro de Comédia, o Teatro dos Sete, o Grupo Opinião e o sucesso de Bibi Ferreira em Gota D’Água. “Seu desejo por dirigir encontrou uma grande paixão que criou pelo o Brasil”, explica Elisa. “Foram anos de intensa pesquisa para compreender o que se caracterizava como o teatro brasileiro.”

Nessa categoria, O Mambembe (1959) talvez seja um dos mais notórios. A obra de Artur Azevedo que retratava a dureza de uma companhia teatral foi desvendada pelo cenógrafo e diretor, que foi a campo pesquisar a arquitetura dos casarões cariocas e feiras e o folclore nacional que ocupou muito tempo de estudo na Biblioteca Nacional, o que redundou em mais de 10 cenários para a montagem. “Havia um projeto muito claro ligado à formação”, conta Elisa. “Além do olhar para autores locais, ele também conduziu o desenvolvimento de artistas e técnicos.”

Ogiva. O vitral de 'O Assassinato na Catedral' Foto: Arquivo Piccolo Teatro de Milão

Mas Ratto também teve encenações mal sucedidas, no que diz respeito à recepção do público, recorda Antonia. A temporada de Cristo Proclamado (1960), texto de Francisco Pereira da Silva, teve de ser interrompida no Copacabana Palace “porque o plateia não entendeu”. Longe da suntuosidade italiana nos cenário, Ratto limpou o palco, que foi preenchido por galhos secos e trajes simples dos moradores do interior que se preparavam para celebrar a Paixão de Cristo. “Na época, ameaçaram meu pai falando que a peça era comunista por discutir a pobreza nacional”, acrescenta Antonia. 

A exposição também resgata a cobertura da mídia italiana e brasileira aos trabalhos de Ratto, além de trechos de vídeos de algumas montagens e maquetes de O Canto da Cotovia e O Barbeiro de Sevilha (1983), construídas pelo cenógrafo e figurinista J. C. Serroni, a partir de desenhos de Ratto.

GIANNI RATTO - 100 ANOS. Sesc Consolação. R. Doutor Vila Nova, 245. Tel.: 3234-300. 2ª a 6ª, 11h30 às 21h30. Sáb. 10h às 18h30. Grátis. Até 29/4.