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Análise: Comédias fazem sucesso porque pensam no público

O lugar de 'Amigas, Pero no Mucho' é ao lado de outros blockbusters dos palcos, como 'O Mistério de Irma Vap', 'A Partilha', 'A Casa dos Budas Ditosos' e 'Trair e Coçar É Só Começar'.

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Por Redação
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A crise política no Brasil foi tema de um artigo no New York Times, em maio. Curiosamente, o texto não tratava dos imbróglios jurídicos ou das tentativas da presidência de responder às acusações.

Falava da ânsia dos brasileiros – aparentemente incontrolável – de rir de sua própria situação. Piadas nos aplicativos de conversa, uma enxurrada de memes nas redes sociais. Um humor que o jornalista resumia como um misto de “sátira e resignação existencial”. Os grandes sucessos do teatro brasileiro podem ser explicados, grosso modo, por essa vo ntade de rir, rir da própria miséria.

Rir. Paulo Autran foi padrinho da peça de Célia Forte Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

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Obra que agora retorna em nova montagem, Amigas Pero no Mucho ficou cinco anos em cartaz. Seu lugar é ao lado de outros blockbusters dos palcos, como O Mistério de Irma Vap, A Partilha, A Casa dos Budas Ditosos e Trair e Coçar É Só Começar. E o que essas peças de épocas e autores diferentes têm em comum? Não por acaso, são todas comédias.

Com mais de 6 milhões de espectadores e uma temporada de quase 30 anos, Trair e Coçar É Só Começar, de Marcos Caruso, figura no topo desse panteão. Tem um formato de vaudeville, traz uma empregada doméstica – tipo facilmente reconhecível pela sociedade brasileira – como protagonista e leva em consideração uma variável hoje em desuso no teatro contemporâneo: o espectador.

Ainda que justos e necessários, os mecanismos de incentivo e financiamento público criaram essa estranha distorção. Quando as contas são pagas com o dinheiro recebido de patrocínio ou edital, a bilheteria torna-se irrelevante. Assistimos, então, à produção em série de espetáculos que, independentemente de suas qualidades artísticas, cumprirão curtos ciclos de dois meses em cartaz e estão fadados a desaparecer como se nunca tivessem existido.

Talvez, Amigas Pero No Mucho sobreviva porque não foi escrita para a crítica especializada ou para os júris de premiação. Trata-se de uma peça pensada para a plateia. Consegue a proeza de fazer com que milhares de mulheres (ou homens, por que não?) se sintam representadas no palco. Amores desfeitos, disputas de poder, sentimentos represados. Tudo que existe na vida de todo mundo, só que mostrado pela via da sátira, da caricatura. A dor pode ser escárnio.

Quando se inaugurou o primeiro “teatro decente” do Rio de Janeiro, construído a pedido de D. João 6º, em 1813, a obra escolhida para sua inauguração foi uma tragédia. O trágico era, então, o único gênero considerado decente. Entre nós, o cômico esteve, desde sempre, confinado. Malvisto pela intelectualidade, mas benquisto pelo povo. Estão aí a chanchada, o teatro de revistas e a comédia de costumes para provar.

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O drama romântico floresceu entre nós com atraso e, verdade seja dita, com pouco brilho. Foi nas comédias de Martins Pena que nos encontramos. Nessas histórias que retratam com graça a política precária, a corrupção, a troca de favores, as ideias europeias que importamos e acabam fora de lugar. É mais ou menos isso que nossas comédias – desprezadas – seguem a fazer por nós. A dar conta de nossas fragilidades, de nossas incoerências e dessa insistência em, de algum jeito torto, tentar ser feliz.

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