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Alessandra Negrini vive pesadelo em ‘Sonata Fantasma Bandeirante’

Atriz vive mulher ambígua em ‘espetáculo que retoma as fundamentos da colonização em São Paulo

colunista convidado
Por Leandro Nunes
Atualização:

“Sempre fico ansiosa no teatro. Preciso resolver isso”, refletiu Alessandra Negrini enquanto se preparava, na última semana, para estrear Sonata Fantasma Bandeirante – já em cartaz, no Sesc Ipiranga. Agora, ela deve estar mais tranquila. “O processo de criar me deixa assim”, disse, enquanto balançava o pé repetidamente. Aos 45 anos, a atriz paulistana posou, concentrada, para a foto, usando um vestido formal. Dali a alguns dias, seria para valer.

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Sua última passagem pelo tablado foi em A Propósito de Senhorita Júlia, que dividiu com Eucir de Souza o texto do sueco August Strindberg (1849-1912). A trama é transferida para o Brasil do século 21 por Eduardo Tolentino e coloca Alessandra no papel da filha de um deputado que seduz o motorista.

Agora, como se entrasse em uma máquina do tempo, a atriz retorna ao século 17 para viver uma “mãe mulher branca”, habitante do pobre povoado de São Paulo do Piratininga, em Sonata Fantasma Bandeirante. A atriz, que se debruça na personagem desde 2014, confessa que são intencionais todos esses estereótipos. “Ela é oprimida pelo marido, mas também oprime seus escravos.” Num jogo que parece se igualar, a personagem de Alessandra não se faz de vítima. A mulher mora com o filho e o marido, que a trai constantemente com as negras e as índias concubinas. “Ela é consciente disso, mas sofre diante da força de uma família comandada pelo homem.”

Ódio. Mãe e esposa, ela sofre opressão do marido autoritário Foto: NILTON FUKUDA|ESTADÃO

Se no palco a personagem esmorece, fora dele, Alessandra luta. Nas últimas semanas, ela e outras artistas como Fernanda Montenegro, Andréa Beltrão e Marieta Severo estavam em pé de guerra contra empresas de telecomunicações, no caso da contribuição das teles. Em fevereiro, o sindicato da categoria obteve uma liminar que exime a contribuição conhecida como Lei da TV Paga. A alegação era de que as empresas não faziam parte da cadeia produtiva do audiovisual. “Isso é um absurdo!”, brada a atriz. “O que eles querem? Que exista apenas uma emissora de TV no Brasil e que o resto seja produção gringa? Como o cinema vai crescer assim?”, questiona. Com mais de 150 assinaturas, o time de Alessandra apresentou um documento que contextualiza a força da produção audiovisual em todo o País. A contribuição serve para fomentar 80% do fundo setorial de produção independente. “Sempre vou defender o cinema, está no meu coração.”

São casos como esse que afetam todo o cenário nacional. A atriz filmou recentemente o longa O Beduíno, do diretor Julio Bressane, mas o projeto passou por dificuldades financeiras para se concretizar desde 2011. Na trama, a atriz interpreta a mulher do próprio beduíno. Em alguns momentos, entretanto, eles não parecem se conhecer. “Ela sonha constantemente com as mesmas coisas.” Na proposta do diretor, a imagem é a de uma garota que é seguida por um navio próximo do porto. “Eles tentam compreender o mundo maluco em que estão vivendo”, explica a atriz.

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Essa é a sua terceira empreitada com Bressane. Em 2007, Alessandra venceu o prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília por sua debochada Cleópatra. Ela contracenou com Miguel Falabella no papel do imperador Júlio César. Um ano depois, foi musa de Selton Mello em A Erva do Rato. No filme, o casal que morava junto reúne fotos da mulher que, aos poucos, vão sendo devoradas pelo animal. Em 2011, mergulhou no caldeirão pop de 2 Coelhos, de Afonso Poyart. A frenética história de crimes se misturava às muitas referências de videogame, filmes do cinema americano e muitos efeitos especiais. “Foi uma delícia gravar.”

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Outras grandes paixão da atriz são o carnaval e o bloco Baixo Augusta, que neste ano lotou com a presença de Alessandra. Ela se tornou musa da folia de rua em São Paulo após fotos suas repercutirem nas redes sociais. “Carnaval serve para ser feliz. E eu quero é ser feliz!”

Na TV, seu mais recente papel foi o da vilã Susana, em Boogie Oogie (2014). Na novela, sua personagem era responsável por trocar dois bebês na maternidade, para se vingar do antigo amor Fernando (Marco Ricca), que havia a abandonado. Mas foi na minissérie Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados (1995) que a atriz teve seu primeiro trabalho destaque.

Tal qual quando viveu a selvagem Isabel Olinto, em A Muralha (2000). No último capítulo, a guerreira que costumava capturar índios encarou o seu destino. Mesmo sendo branca, Isabel cultivava uma atração inconsciente pela mistério indígena. Com a ajuda do pajé, ela mergulhou na floresta e se transformou em uma onça-pintada.

Desta vez, seu papel no teatro ajuda a refletir sobre essa questão histórica. “No Brasil, os negros já têm pouca visibilidade. Mas e os índios? Não há quem os represente.”

SONATA FANTASMA BANDEIRANTE. Sesc Ipiranga. R. Bom Pastor, 822. Tel.: 3340-2000. Sex., sáb., 21h; dom., 18h. R$ 9/R$ 30. Até 24/4. 

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