Sites de financiamento coletivo viabilizam projetos de teatro

Com a crise, peças buscam recursos para além das leis de incentivo

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colunista convidado
Por Leandro Nunes
Atualização:

Em fevereiro de 2014, choveu cerca de 81 mm na cidade de São Paulo. Com duas semanas de tempestades, boa parte das águas parece ter-se acumulado na Rua da Consolação, 1.219. Em um desses dias, um dilúvio irrompeu na sede do Teatro do Incêndio. O teto cedeu e a água danificou figurinos, equipamentos e a instalação elétrica. A companhia estava a dois meses da inauguração e não possuía nenhum apoio ou patrocínio. “Naquela época, não havia nenhum edital aberto, foi quando pensamos em criar um projeto de financiamento coletivo”, conta a atriz e produtora do grupo Gabriela Morato.

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Nos último anos, as plataformas que promovem o chamado crowdfunding, ou financiamento coletivo, permitem viabilizar projetos de artes em geral. No teatro, grupos que não possuem patrocínio encontram no financiamento coletivo formas de estrear suas montagens, manter a temporada e também como opção emergencial diante do sufoco.

A iniciativa funciona como uma “vaquinha coletiva”. O autor publica seu projeto nos sites específicos, define o valor que vai precisar para execução e divulga sua campanha. Os interessados colaboram financeiramente e, em troca, podem receber ingressos e exemplares de obras.

CENA DA PEÇA HYSTERICA PASSIO, COM ALESSANDRO HERNANDEZ E AMALIA PEREIRA. Foto: FOTO ANTÔNIO ROBERTO GIRALDES/DIVLGAÇÃO

No Brasil, a plataforma Catarse concentra mais de 345 projetos teatrais, com mais de 180 financiados. Em números, o teatro está em terceiro lugar, atrás apenas das categorias música e cinema e vídeo. Criado em 2011, o site permite a escolha do valor de arrecadação e o tempo da campanha (entre um e 60 dias). Se atingir a meta, o grupo fica com o valor estipulado. “Nós solicitamos cerca de R$ 24 mil para a reforma do prédio, mas só conseguimos algo próximo de R$ 8 mil”, explica Gabriela. Nesse caso, a regra é “tudo ou nada”: todos os apoiadores recebem o dinheiro de volta. “A nossa estratégia foi fazer uma segunda campanha, agora com o valor de R$ 8 mil. Nós entramos em contato com todos os apoiadores e a maior parte deles topou transferir o valor doado.” Para os projetos bem-sucedidos, o Catarse cobra uma taxa de 13% do total arrecadado.

Além de reformas, há os projetos de estreias e manutenção de temporada. A Teatro Kaus Cia Experimental está em contagem regressiva. São 18 dias para arrecadar R$ 20 mil. O valor será utilizado para produzir e estrear a peça Hysterica Passio no Espaço Parlapatões e manter uma temporada com 20 apresentações. O grupo foi criado em 1998 em São José dos Campos e três anos depois se radicou na capital paulista. O único apoio obtido foi entre 2006 e 2007 com o benefício da Lei de Fomento ao Teatro. “Desde esse tempo, sempre participamos de editais, mas por algum motivo não conseguimos apoio novamente. Agora estamos nessa maratona para atingir a meta da nossa nova empreitada”, revelou a atriz e produtora do grupo Amália Pereira.

Outro site que recebe projetos de teatro é o Kickante. Desde 2013, já lançou mais de 105 campanhas e 70% delas obtiveram sucesso. A CEO da plataforma, Tahiana D’Egmont, aponta que a maior parte delas é dirigida, principalmente, para estreias, reformas do teatro e compra de equipamentos. “Nas campanhas de projetos artísticos, o valor médio solicitado é de R$ 30 mil. Para o teatro, a média é de R$ 18 mil.”

E para quem já trilhou esse caminho e teve seu projeto contemplado, surge uma nova perspectiva, respaldada pela experiência. A Cia Teatro Sem Censura encerrará em agosto a primeira temporada de A Arte de Pensar Negativamente, espetáculo de estreia do grupo. “O financiamento coletivo foi uma ferramenta que deu certo, apesar de ser bastante desgastante. No início, você tem certeza que algumas pessoas vão ajudar, mas se surpreende quando isso não acontece. O contrário também ocorre”, conta o fundador do grupo, Fabricio Castro. “Chega a ser curioso. Eu faria um estudo antropológico sobre o assunto”, brinca ele.

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Para garantir a extensão da temporada, a peça também foi inscrita nas leis de incentivo, como a federal lei Rouanet e o estadual Programa de Ação Cultural (ProAC). “Por terem prazos demorados e serem bastante burocráticos, nós preferimos estrear com os recursos obtidos no crowdfunding. Com a possível aprovação de uma dessas leis, nós vamos reformular financeiramente a montagem, uma vez que o prêmio é maior.”

E foi o que aconteceu. O grupo foi autorizado pela Rouanet a captar recursos. “Acredito que o primeiro passo para dar certo foi enxergar a nossa condição. Nós não tínhamos dinheiro algum, nem espaço para ensaiar. Agora vamos procurar novos teatros e continuar com a peça.” Castro finaliza com dois conselhos – um para as companhias e outro para quem deseja apoiar os espetáculos. “De vez em quando, é preciso ser um pouco chato. As pessoas falam que vão doar, mas se esquecem. É preciso lembrá-las. Quanto ao valor das doações, não se acanhe, doe o que puder. No final, R$ 10 fazem muita diferença.”

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