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Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum lançam disco em tributo a Milton Nascimento

No belo álbum 'Invento +', obra do Bituca ganha releitura apenas em voz e cello

Por Adriana Del Ré
Atualização:

Como revisitar a obra de Milton Nascimento, homenagear esse carioca de coração mineiro e, ainda assim, se distanciar das versões originais de suas canções, tão enraizadas no nosso imaginário? As respostas estão no belo disco Invento +, em que Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum interpretam Milton Nascimento. O trabalho registra o encontro repleto de afetividade de Zélia e Jaques, e seus respectivos instrumentos: a voz e o cello. Daí as composições de Milton e as canções de outros autores que ficaram emblemáticas em sua interpretação, selecionadas para o repertório, soarem tão familiares e, ao mesmo tempo, tão renovadas. A presença solitária do cello de Jaques e o canto minimalista de Zélia, quase recitando as letras das músicas, causam esse efeito.

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“Cantar Milton tudo bem, mas o que pode ser inusitado?”, chegou a se questionar Zélia. Veio, então, a resposta. “Cantar Milton sem instrumento de harmonia. A obra do Milton é tão intocável para nós que a conhecemos, os arranjos estão no seu coração. Essa foi a graça que descobri com o Jaques: é quase que um truque chamá-lo, porque você chama só um instrumento, mas é um cara que corresponde a uma orquestra”, diz a cantora e compositora, ao Estado. “Ele sugere um arranjo grandiloquente que o Milton faz, mas ele é só um.”

Em Ponta de Areia (Milton/Fernando Brant), por exemplo, o cello aparece grandioso na introdução, sozinho, ao qual depois se une a voz de Zélia. Um momento lírico, de arrepiar. Já em O Que Será (Chico Buarque), que ganhou famoso dueto de Chico Buarque e Milton Nascimento, também vem em duo em Invento +, só que com Zélia e Jaques. 

Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum: projeto de 2015 inspirou o disco. Foto: Leo Aversa 

E logo se percebe: os dois têm o mesmo peso nesse trabalho. “O Jaques não fica me buscando como um violão me buscaria. Faz a parte dele – claro, integrado comigo e eu, com ele –, mas são duas pessoas desempenhando ali. É um desafio muito grande para mim como cantora”, afirma Zélia. Preste atenção nessa sintonia dos dois em San Vicente (Milton/Fernando Brant): ao longo da música, há momentos em que eles caminham lado a lado e, em outros, se encontram.

Conhecida por sua voz grave poderosa, Zélia preferiu aqui interpretações mais suaves. Herança clara, e confessa, de sua experiência no projeto Totatiando, dedicado à obra de Luiz Tatit. “Tem a ver com meu jeito de olhar a música, a vida, o quanto aprendi com o Tatit, num extremo que acho maravilhoso e privilegiado de que o menos é mais e que o canto veio da fala”, observa ela. “Então, por que vou pegar o que uma das vozes mais impressionantes de todos os tempos cantou e ficar tentando fazer um vozeirão? Acho que seria tão inútil, acho que esse trabalho está chamando para o avesso, a beleza do avesso.”

O show nasceu antes do disco. Em 2015, o produtor André Midani chamou Zélia para participar de seu projeto Inusitado, cantando músicas de Milton. Depois, foi a vez de Jaques Morelenbaum ser convidado, conta o músico. Naná Vasconcelos também estaria no projeto. “Mas infelizmente ele se foi antes de realizarmos o concerto”, diz Jaques. “Daí veio a dúvida de substituí-lo, e por quem. Já tínhamos um nome, ou melhor uma lista de preferidos, mas afinal resolvemos encarar o desafio (autodesafio) de traduzirmos Milton para a linguagem voz e cello, minimalista.” 

Os dois fizeram algumas apresentações. O próprio Milton assistiu ao show deles no Rio – “foi a maior emoção para gente”, lembra Zélia. E o desejo de transformar aquele projeto em disco surgiu naturalmente. “Creio que, desde o primeiro momento em que transformamos teoria em prática e efetivamente ouvimos os sons de nossa ‘orquestrinha’ de cello e voz, já veio a vontade de registrar isso, e mais, a vontade de fazê-lo com um repertório muito mais extenso, dada a quantidade de pérolas que encontramos nesse universo ‘miltoniano’ que não pudemos incluir nesse espetáculo e disco agora lançado”, afirma Jaques.

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Diante de uma obra tão ampla, Zélia conta que ela e Jaques montaram suas listas de canções, para depois cruzá-las. Muita coisa também foi definida nos ensaios. “É diferente você pensar e realizar. Quando você vai cantar, pode se apropriar daquilo. As músicas vão se sobressaindo à medida que você vai exercitando, e assim foi com a gente também”, pondera ela. 

Assim, entre as 14 canções reunidas no disco, além das já citadas, estão Travessia, Canção Amiga, Cais, Encontros e Despedidas, entre outras. “A escolha das canções se deu por critérios afetivos, e democraticamente. No caso da Zélia, creio que as poesias a serem cantadas tiveram uma preponderância sobre as demais, assim como no meu caso, a estrutura melódico/harmônica/rítmica era o que mais me seduzia e atraía”, comentaJaques. 

Aliás, cada um deles é conectado à obra de Milton, o Bituca, à sua maneira. Jaques se recorda de quando acompanhou Milton na turnê do álbum Minas (1975), fazendo parte de uma “superbanda”. “Lembro de minha emoção de tocar com essas feras em ginásios gigantescos e lotados por uma média de 25 mil pessoas, inacreditável!”, diz ele. Zélia conta que a primeira música que cantou na vida, quando tinha 16 anos, em Brasília, foi Fazenda, do disco Geraes (1976). “Se você se sente segura para abrir o show com uma música de um repertório de um cantor, é porque já ouvia há muito tempo. Então, o Milton já rolava na vida e na família. A voz dele tem gosto, tem cheiro, tem a cara da minha casa.” 

Os dois fazem show de lançamento de Invento + no dia 5, no Theatro Net Rio, e devem fazer algumas apresentações em 2018. Zélia fala com amor do projeto e do homenageado. “Milton está na minha essência.” 

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