'Vamos vestir a camisa dos 'bregas' '

PUBLICIDADE

Por ZEZÉ DI CAMARGO , cantor e compositor
Atualização:

Um dia este desabafo seria inevitável. Parafraseando o início da crônica do Júlio Maria, publicada dia 14 passado, abrir o coração e falar num espaço assinado por jornalistas, sendo alvo de críticos, é uma postura de coragem. Solicitei este espaço, gentilmente cedido pelo JT, depois que li o texto assinado pelo cartunista Diogo Salles. Não que tenha me sentido atacado com alguns termos da crônica, mas porque, diante da polêmica, me vi no direito de expor a todos que este assunto é velho no mercado. Que assunto? O preconceito. Seja numa redação, nas matérias ou críticas publicadas, nas rodas musicais e tudo o mais, a relação jornalista/artista sertanejo sempre foi de muita batalha. E, confesso, o pessoal do lado de cá busca um lugar ao sol, isto é, nas páginas de veículos de comunicação, mas com respeito e reconhecimento. Dê a sua opinião sobre o tema Há quase 17 anos, desde que me lancei com Luciano, ouço o velho clichê de muitos jornalistas especializados na área musical: "Gosto é de sertanejo puro, como Pena Branca & Xavantinho". Eu aposto com vocês da redação como não há ninguém por aí que conheça uma só música desta dupla. Façam uma enquete. Cobrar música pura neste país é contraditório. Chico Science misturou rock com maracatu e a mídia aplaudiu. Por que os sertanejos não podem misturar o som da viola com outros acordes? Citem uma música pura no Brasil. Ser puro é não ter preconceito. Cito grandes nomes da nossa MPB que demonstraram com atitudes e declarações que são puristas. Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Fagner, Maria Bethânia, Angela Maria, Dominguinhos, Ivete Sangalo, Nando Cordel, Nando Reis... Ah! E Sérgio Reis, caro Diogo. Vale aqui um relato: no estúdio, durante a gravação da trilha de 2 Filhos de Francisco, ao escutar o resultado de Saudade Brejeira, quis mudar o tom do que eu havia gravado por achar que estava muito, digamos, sertanejo. Sabe qual foi a resposta do Caetano Veloso? "Não faça isso! Ficou linda!" E disse com a sabedoria de quem entende da causa e não entende de preconceito. Tenho orgulho ainda de saber que a exibição em espaço aberto de 2 Filhos de Francisco entrou no livro dos recordes, do fato do filme ser o campeão de bilheteria nos últimos 25 anos. Como brasileiro, sinto-me honrado de saber que o mesmo longa, que conta a história de nossa família, ganhou crítica elogiosa nas páginas do New York Times. E é com o mesmo apreço que, dia 14 passado, li a crônica assinada pelo Júlio Maria. Espero que outros, como ele, jornalistas ou não, "saiam do armário" e venham conhecer nosso trabalho, ouvindo (de verdade) nossos CDS e indo aos nossos shows. Crítico que se preze, escuta música, "de tudo um pouco", tenha certeza. Livre de preconceito. E não simplesmente sai por aí escrevendo e falando sem jus de causa. Para finalizar, você, como roqueiro e fã de Whitesnake, há de convir que o David Coverdale quando veio do Deep Purple e fundou o Whitesnake, deu um tratamento (como diriam?) brega para as letras da banda. Aliás, em termos de letras, é o grupo que mais fala de amor. Não precisa ir muito. Basta analisar os títulos das músicas (Is This love, Looking for love). Mas uma coisa é certa, e isso prova que, de amor, o Brasil entende bem. Em 1985, substituindo o Def Leppard no Rock In Rio, o Whitesnake passou a se consagrar no nosso país com esta apresentação. Sendo assim, dou a mão à plamatória: Diogo e tantos outros que ainda estampam a camiseta do preconceito, vamos vestir a camiseta dos ‘bregas’, se assim preferirem rotular, ou dos puros, como prefiro chamar. E cantar "É o Amor" em todos os sons e tons. Não acredito que as 25 milhões de pessoas que compraram nossos CDs até hoje estejam todas erradas.Artigo originalmente publicado na edição deste domingo do Jornal da Tarde

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.