Trio Atos promove noite camerística excepcional em SP

De Berlim, o Trio Atos, um dos grandes grupos de câmara da atualidade mostra adequação estilística irretocável na Sala São Paulo

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

A música para cravo ou piano e cordas demorou mais para deslanchar, no século 18, em relação ao quarteto de cordas, rapidamente apropriado pelos profissionais, o trio teclado cordas facilitava a inclusão dos nobres menos hábeis nas cordas. Haydn, por exemplo, escreveu cerca de 40 trios para piano e cordas em que o profissional pilotava o teclado e os nobres as partes mais fáceis.

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A explicação histórica faz sentido. Mas foi desmentida pela trajetória de Haydn no gênero e no fulgurante trio em sol maior, “cigano”, interpretado pelo Trio Atos na terça, 26, na Sala São Paulo, graças à audição do vertiginoso presto com seus acentos ciganos e à incrível coesão de afinação e estilística do Trio Atos.

Como eles se ouvem mutuamente, como cello e violino caminham milagrosamente juntos, em nuances sutis dentro da mesma frase musical. E como o pianista mantém o controle do discurso musical sem se sobrepor aos parceiros. Individualidades que se integram sem se dissolver no conjunto. 

As seis dumkas, danças preferidas de Dvorák que ele empilha em seu maravilhoso trio opus 90, combinaram na medida justa a melancolia com a explosão da dança. Expressivas viagens em torno da dança, ora sombria, ora esfuziante.

Os 25 minutos da segunda parte constituíram o coroamento de uma noite de exceção. O trio de Shostakovich, de 1944, sintetiza de modo genial o desalento em relação ao conflito no qual a URSS estava metida naquele momento, na 2.ª Guerra. Não me lembro de outro início do Andante tão perfeito quanto este. E olhem que os harmônicos artificiais – himalaia dos violoncelistas nos compassos iniciais do movimento – foram produzidos por Heinemeyer sem esforço aparente. As dificuldades, aliás, espalham-se por praticamente todo o trio. Outro presto delirante aconteceu no Allegro con brio: cerca de 3 minutos de tirar o fôlego. O Largo com seu famoso início só ao piano e o memorável Allegretto final combina uma melodia judaica que cola em nossos ouvidos. Quem sabe o diferencial maior desta noite camerística excepcional tenha sido a adequação estilística irretocável do Trio Atos.

Pareciam austríacos em Haydn, checos em Dvorák e russos em Shostakovich. As acelerações vertiginosas quase ultrapassaram o recomendável no presto à cigana haydiniano, na quinta dumka de Dvorák e no Allegro con brio shostakovichiano. Arroubos compreensíveis, tamanha a intensidade emocional injetada pelo trio na performance.

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