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Tiê lança 'Esmeraldas', que inclui parceria com David Byrne

Terceiro disco da cantora tem a mesma ternura de sempre

Por Adriana Del Ré
Atualização:

Na infância da cantora e compositora Tiê, os corredores de sua casa eram tomados por trilhas infantis como Saltimbancos, mas também por Milton Nascimento, Caetano, Gil. Nas festas de Natal na casa da avó Vida Alves, atriz que protagonizou o primeiro beijo na TV, a criançada era escalada para peças que tinham a família de plateia. "Eu escrevia textos, coisas simples e colocava netos e sobrinhos para encenar", conta Vida. Tiê aproveitava aquelas oportunidades para exercitar seus dotes artísticos, mas nunca com pretensões de segui-los profissionalmente. "Sempre achei que ela tinha facilidade de comunicação", diz Vida, já identificando, à época, o potencial da neta. E Tiê explorou esse potencial de várias formas. Montou uma banda com amigos de classe, que ganhou o primeiro lugar no festival do colégio, em 1997. E ela, o prêmio de melhor cantora. Mais tarde, com um amigo da faculdade de Relações Públicas, tocou em todo tipo de lugar, até em lançamento de ração de cachorro em churrascaria. Em 2000, partiu para Nova York e ficou um ano por lá. Quando voltou, continuou cantando. Mas ainda se perguntava: por que quero cantar? A guinada em sua vida aconteceu quando abriu o Café Brechó, ao lado do antigo prédio da MTV. O compositor Toquinho aproveitou o intervalo de gravação em um estúdio nas proximidades para almoçar naquele lugar. “Ali fiquei sabendo que uma das sócias cantava muito bem. Convidei-a para ir ao estúdio onde eu estava gravando. Fiquei impressionado com a delicadeza da sua voz”, lembra Toquinho.

Coerência. Tom de voz da cantora ficou mais perto do sussurro do que do grito Foto: Rafael Arbex/Estadão

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Durante dois anos, ela acompanhou o músico em seus shows. Até que resolveu dar um tempo para si, pegar um caderninho e compor. Foi quando, finalmente, se deu conta do sentido de ser cantora: interpretar o próprio repertório. Aconselhada pelo produtor Plínio Profeta, aprendeu a tocar violão. Trancafiou-se em casa e só saiu quando estava tinindo no instrumento. Estava pronta para entrar em estúdio. O mesmo Profeta produziu seu belo, denso e independente primeiro disco, Sweet Jardim, de 2009. Em 2011, veio o ensolarado A Coruja e O Coração, já com aporte de uma gravadora e com direito à música Piscar o Olho na trilha da novela Cheias de Charme. Agora, Tiê lança seu terceiro disco, Esmeraldas, cujas canções se mantêm impregnadas por suas vivências pessoais - e com um reforço e tanto: o músico escocês David Byrne. A mão que balança o berço é a mesma que mistura roupas de todas as cores na máquina de lavar, compõe e toca violão. Aos 34 anos, a cantora e compositora paulistana Tiê vive às voltas com as delícias e as loucuras de ser mãe de duas meninas, Liz, de 4 anos, e Amora, de 1, além de ter de dar conta dos afazeres domésticos, de sua produtora, a Rosa Flamingo (colada à sua casa, na Lapa, em São Paulo), e, ufa, de sua agenda de shows. Em meio a esse turbilhão, ela se viu acometida por uma ‘doença’, talvez a mais temida pelos compositores: um bloqueio criativo. "Quando faço um disco, namoro esse disco um tempão até gastar e aí depois vem as ideias para o outro, as composições. Só que gastei o segundo disco, A Coruja e O Coração, e não me veio nada", conta Tiê. "Realmente, fiquei numa fase em que não conseguia compor. Minha maior inspiração é o cotidiano e são minhas próprias histórias. Foi um caos na minha vida.” Terceiro disco da carreira, Esmeraldas, que deve chegar às lojas no dia 23 (antes, no dia 9, tem início a pré-venda da música A Noite no iTunes), deriva dessa fase angustiante que, enfim, a fez retornar às boas com sua composição. Tiê vinha de dois discos coerentes com seu estilo, mas que traziam marcas nítidas de momentos diferentes de sua vida que respingaram em cada um desses trabalhos. O disco Sweet Jardim, de 2009, representou o concretização de Tiê como intérprete da própria canção. Consequentemente, ela encontrou o tom da sua voz, mais apropriado ao sussurro do que ao grito. Com doçura e certa densidade - afinal, passara muito tempo fechada em casa, num processo solitário de domínio do dedilhar do violão -, ela cantou amores e desamores. “Fiquei quatro ou cinco meses fazendo Sweet Jardim todo dia em casa, duas vezes por dia em frente ao espelho." Sua carreira, então, deslanchou. Um dos bons nomes de uma geração mais recente da cena musical paulistana, Tiê ‘gastou’ na estrada seu trabalho de estreia, lançado de forma independente. Dois anos depois, lançava seu segundo álbum, A Coruja e O Coração, pela gravadora Warner, sem grandes traumas no processo de composição durante a transição de um disco para o outro. Àquela altura, Tiê já desfrutava a maternidade, com a chegada da primogênita Liz. Resultado? A melancolia deu lugar à leveza. Era um projeto mais alegre, construído com os amigos indo em sua casa jantar enquanto a filha dormia. "Sweet Jardim tinha essa cara do cru, do sincero ao extremo, do íntimo, do verdadeiro. E o segundo foi no meio de um bololô, porque eu tinha feito a turnê do primeiro, tive a Liz. Eu estava num momento em que achava tudo lindo. Então, ele é mais uma colcha de retalhos. Foi um disco que teve muito mais público, mas, para formador de opinião, ele funcionou muito menos." Parceiros. Para desencantar e chegar a Esmeraldas, a compositora recorreu a aconselhamentos de amigos e outros nem tão próximos assim. Caso de um ex-Talking Heads de nome David Byrne. Tiê conheceu pessoalmente o músico escocês em 2011, quando ele foi assistir a um show dela e de Tulipa em Nova York. O intermediário desse encontro foi o percussionista brasileiro Mauro Refosco, um amigo em comum dos dois. "Byrne conhecia nosso trabalho. Ele assistiu a tudo, conversou com a gente e, depois disso, a gente trocou e-mails", conta Tiê. No outubro do ano passado, sem ideia nenhuma, ela foi acompanhar a gravação do disco solo de sua baterista, Naná Rizinni, em Chicago. Achava que aquela viagem poderia inspirá-la. De Chicago, foi para Nova York, onde tinha marcado almoço com Byrne. Foi a chance de compartilhar com ele também seu bloqueio. "Ele foi muito humilde, gentil, simpático, cheguei dez minutos antes e ele já estava lá sentado. Me abri totalmente, se tem uma coisa que eu sou é cara de pau mesmo. É uma característica minha”, afirma. "Eu disse: 'me inspira, me ajuda, me fala alguma coisa porque não vou sair daqui sem nada' (risos)."

Talvez solidário com a aflição da colega compositora, Byrne a ajudou. E rápido até. Três dias depois daquela conversa em tom confessional, quase de súplica, ele avisou Tiê que tinha encontrado duas músicas e lhe enviou ambas para ver o que queria fazer com elas. Mandou dois esboços: um afoxé, que ela guardou; e outro que tinha um início de letra. Foi um bom incentivo. Mas, mesmo assim, o processo demoraria mais um pouco. Tiê retornou ao Brasil e, em dezembro, foi para Minas passar o Natal com a família, na roça. "Comecei a fazer uma música e ela veio inteira, Mínimo Maravilhoso. Aí que o disco teve início."

De volta à música de Byrne, batizada All Around You, Tiê pediu para André Whoong, seu parceiro, ver o que poderia fazer com ela. "André fez uma parte para a canção. Byrne tem uma parte que é toda com acordes menores, tem um mistério, ele então pensou numa parte mais solar, como se fosse a minha parte da música, seria meu tipo de composição dentro da composição dele", explica ela. Mandaram também para outro parceiro, Tim Bernardes, o pedaço da letra de Byrne, o tema, e ele voltou com uma letra que Tiê adaptou para seu universo. Por isso, a composição é assinada pelos quatro - tudo, claro, com aprovação de Byrne, que também participa da música cantando em inglês e português. Byrne fala de sua mãe; Tiê, de sua paranoia. 

O disco conta com outra colaboração afetiva para Tiê: Guilherme Arantes contribui com seu piano também pop em Máquina de Lavar. "Eu amo o Guilherme de paixão, sou fã, conheço tudo", diz Tiê, que já havia participado do novo disco dele, Condição Humana, lançado no ano passado. "Quando a gente estava fazendo (essa música), percebemos que estava faltando um piano. Vamos chamar o Guilherme?" A produção de Esmeraldas é compartilhada pelo brasileiro pop Adriano Cintra, do Cansei de Ser Sexy - e sua mão pop -, e pelo americano Jesse Harris (vencedor do Grammy pela canção Don’t Know Why, conhecida na voz de Norah Jones) - e seu estilo sofisticado. A cozinha musical, com bateria, baixo, guitarra, foi gravada no Brasil, e levada pronta para os EUA, onde foram acrescentados cordas, metais, sopros, percussão. "Neste disco, ainda falo de amor, sinto que é autobiográfico, como os outros dois”, avalia Tiê. “Retrata claramente minha fase agora: sou uma pessoa rodeada de amor, mas também já estou sem paciência. Ainda são letras simples que narram minhas histórias, mas de forma menos ingênua talvez." 

FAIXA A FAIXA, POR TIÊ

'Gold Fish'

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"Fiz inspirada no filme Me and You and Everyone We Know. É de 2007, estava no meu EP. Quis reaproveitá-la, gostava dela"

'Par de Ases'

"Fala de amor, mas de um jeito gasto: ‘Nem sempre a gente acerta em tudo’”

'Máquina de Lavar'

"É uma piada interna, da fase que fiquei sem ajudante. É isso, como o trabalho doméstico leva você para outro lugar"

'Urso'

"É uma letra mais angustiante, apesar de a música ser bem pop e quase dançante'

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'Mínimo Maravilhoso'

"Conta a história de que eu não vi dezembro passar. Ao mesmo tempo que eu não tinha o disco, tinha milhões de coisas para fazer"

'Esmeraldas'

"Fiz lá em Minas. Fala das flores voando, dos cavalos no jardim, da nossa vida lá. Tem essa coisa da calmaria da roça"

 'Isqueiro Azul'

"Tem uma frase da Rita (Wainer), que faz todo o sentido: 'Quantos quase cabem num segundo’. Uma vez, a Amora caiu do cadeirão e a Rita, madrinha dela, disse isso"

 'Depois de Um Dia de Sonho'

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"É uma música do André (Whoong), que está no primeiro disco dele, em inglês. Sempre a amei e vi que era a chance de eu fazer minha letra para ela"

 

'Vou Atrás'

"A letra ficou super pequena, mas é clara: ‘Se você for, eu vou atrás’. E os arranjos, aqueles metais, os sopros. Fico alucinada"

'A Noite'

"Sempre penso numa versão para incluir meus discos. Essa é de uma música italiana, que é primeiro lugar em seu país e também no México"

 'Meia Hora'

"É uma história minha. Vivo na cidade, mas, ao mesmo tempo, me escondo muito bem"

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 'All Around You'

"omeçou da ideia do David Byrne. Imprime muito o que eu sinto. Me policio. Tenho de postar bastante coisa (nas redes sociais), mas zapear a vida dos outros é uma loucura"

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