Teatro Lira Paulistana é lembrado em projeto com shows e filmes

Local que esteve na ativa entre 1979 e 1986

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Por Adriana Del Ré
Atualização:
Reunião. Claus Petersen, Arrigo Barnabé, Luiz Tatit e Tetê Espíndola na Praça Benedito Calixto, uma extensão do Lira Foto: Marcio Fernandes|Estadão

ANÁLISE Porão referência de 'vanguarda' exalava novidade constante - Lauro Lisboa Garcia No livro dedicado à memória do arrojado espaço que idealizou e manteve a muito custo com outros sócios, Riba de Castro diz que o Lira Paulistana foi “um sonho como tantos outros que um dia acabou”, entre lembranças felizes e outras amargas. Porém, se na cabeça de uma trupe de corajosos empresários havia um porão onde a ousadia fez morada, esse “sonho” não é da dimensão do que os tolos usam no sentido figurado. Voltando ao que já se repetiu inúmeras vezes, o porão referência de “vanguarda”, catalisador de todas as tendências (rock, instrumental, caipira, experimental, punk, reggae e os tantos sons inclassificáveis), não criou nem virou sede de nenhum “movimento” musical, mas exalava novidade constante. Chegou a um ponto de credibilidade em que não só artistas que viam shows uns dos outros, mas o público valente interessado no incomum, nas inovações, no surpreendente também fez do teatro um animado ponto de encontro. Podia-se ir lá em qualquer noite da semana, mesmo sem saber quem iria tocar, que era garantido ver coisa boa, esbarrar em amigos, celebrar.  O Lira se tornou a “segunda casa” de muita gente ligada à música, mas foi além disso. Cresceu, virou gravadora, editora, ocupou o muro externo com obras de arte, botou a cara no sol para fazer festivais com seus agregados na Praça Benedito Calixto. Fechou a Avenida Paulista num memorável aniversário de São Paulo, quando isso era algo imprevisível, muito distante dos réveillons e ciclovias de Haddad.  “Alternativo” e “independente”, o Lira ainda pegou o rabo da maldita ditadura, na virada dos anos 1970 para os 80. E, para jovens provocadores, era um tipo de QG e porta-voz de enfrentamento e resistência, fazendo até política, mas de forma inusitada. Foi trampolim de ideias efervescentes que não cabiam no paladar de tubarões com cabeças de bagre: gravadoras majors, redes de TV, imprensa marrom, padrões sonoros achatados. O som que ecoava no Lira era antitetânico. Nos olhos de quem produzia brilhava arte antes de cifrões, como numa aventura poética de Quixote. De um lado, o viam como projeto elitista, embandeirando música “difícil” que jamais atingiria as massas, embora as próprias instalações precárias do teatro fossem o oposto ao que a classe média endinheirada costumava exigir: tinha acústica sofrível, equipamento de som inferior a outras casas não muito melhores (era o que havia disponível na época) e ambiente quente, de plateia desconfortável até. Mas a gente relevava isso tudo, porque de outro lado era como manter em ação uma espécie de ideal hippie. Hoje pequenas casas como Puxadinho da Praça, Casa do Mancha e Casa de Francisca, seja no formato físico ou no estilo de programação, de certa forma refletem o prisma do Lira, incluindo artistas que lá frequentaram, mantiveram-se firmemente na carreira e influenciaram uma ou duas gerações que faz a melhor música de São Paulo hoje, muito além dos paulistanos. Que sonho acabado, que nada. É uma história vibrante no tempo, uma eterna campanha de amor à cidade.

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