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Rapper lança crônica delicada da periferia

Em seu 1.º CD solo, Rappin Hood, cantor e compositor do grupo PosseMente Zulu, mistura samba, bossa nova, reggae e repente

Por Agencia Estado
Atualização:

"Um neguinho magrelo com uma mancha no olho e um microfone na mão" é o responsável por uma bem-vinda arejada no mundo cada vez mais repetitivo do rap. O cantor e letrista do grupo PosseMente Zulu, Rappin Hood, 29 anos, lança seu primeiro trabalho solo, Sujeito Homem (Trama, R$ 22), usa bases que vão da bossa nova ao reggae e conta com participações diversas, como a da sambista Leci Brandão e dos repentistas Caju e Castanha. Quanto à descrição física acima, ela é do próprio rapper e está na segunda faixa, É Tudo no Meu Nome, produzida por KL Jay, dos Racionais MC´s, e na qual Rappin reverencia alguns ídolos ("não tenho toda a malandragem de Bezerra da Silva / nem o canto refinado de Paulinho da Viola / sou só mais um neguinho que quer se divertir"). A tal "mancha no olho" é decorrência do vitiligo, que se manifestou quando ele tinha 14 anos. "Sei que existe uma associação de portadores de vitiligo e quero entrar em contato com eles para ajudar de alguma forma", conta o rapper, que é colaborador da rádio comunitária da favela Heliópolis, vizinha ao seu bairro, a Vila Arapuá, e participa de oficinas de hip hop para as crianças do local. "Também tenho planos de criar uma ONG de cursos profissionalizantes." Projetos que se somam à carreira de rapper com dez anos de estrada com os amigos do PosseMente Zulu, do qual ele continua a fazer parte e que irá lançar CD pela mesma Trama no ano que vem. O grupo vem de um CD single lançado de forma independente em 98 que vendeu 18 mil cópias graças ao sucesso da faixa Sou Negrão. Outro hit do PMZ é Rap du Bom, com o refrão famoso -"quem é sangue bom / se liga no som / aumenta o volume / que é rap du bom". As duas músicas ganharam novas versões no disco solo de Rappin. Na fanfarra - Sujeito Homem traz 14 canções que demonstram a preocupação do rapper em enriquecer musicalmente o gênero. Rappin, ou Antônio Luiz Júnior, ingressou na música na fanfarra da escola tocando corneta, logo substituída pelo trombone. "Estudei um ano e meio na Universidade Livre de Música", conta. As faixas mais interessantes do disco são justamente as que trazem novos ritmos. De Repente traz a dupla de emboladores pernambucanos Caju e Castanha usando o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, como tema. Raízes é um raggamuffin, um reggae mais falado, que conta com a participação de Funk Buya do Z´África Brasil e Black Alien, ex-Planet Hemp. Sou Negrão virou um partido alto nervoso com a presença de Leci Brandão. "Eu abri um show dela no ano passado e depois ela disse que queria falar comigo. Pensei: fiz alguma coisa errada. Mas não era nada disso, ela queria participar de um disco comigo", lembra. As batidas também são bem escolhidas: Vida de Negro tem uma levada disco e Caso de Polícia, tem ares de funk graças ao sample da música Sou Negro, de Tony Tornado. O disco também traz a denúncia e o reclame, coisas que alguns consideram clichês do rap, como Vida Bandida, em que Rappin fala dos amigos presos. "Não se trata de um estereótipo porque eu vivo isso e tinha de falar deles. Eu não fiz dez músicas assim. Isso é que seria um clichê", rebate. O assunto é tão espinhoso que até Ice Blue, dos Racionais, tem uma reposta pronta para o tema: costuma dizer que as letras do rap só vão mudar quando a periferia mudar. Mas o disco de Rappin não é convencional. Há até uma homenagem naturalmente engajada em Tributo às Mulheres Pretas. A faixa mais bonita, no entanto, é Suburbano, com uma batida bossa nova sampleada de um amigo e com a participação da irmã de Rappin, Maria Fernanda, cantando. Uma crônica delicada da periferia, algo difícil de se ouvir em um disco de rap.

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