Programa 'Choque de Cultura' é sucesso ao brincar com o absurdo no debate sobre cinema na internet

Quadro, criado pela TV Quase a convite do Omelete, vai ao ar todos as quintas-feiras, no YouTube

PUBLICIDADE

Por Pedro Antunes
Atualização:

Na tela (do celular, smart TV, tablet ou computador), quatro motoristas de vans ilegais comentam absurdos sobre clássicos do cinema, como 2001: Uma Odisseia no Espaço, ou novidades do cinemão blockbuster, caso de Velozes e Furiosos.

Integrantes do TV Quase, grupo que criouo Choque de Cultura Foto: Amanda Perobelli/Estadão

PUBLICIDADE

Os atores Caito Mainier, Daniel Furlan, Leandro Ramos e Raul Chequer são os rostos da sensação humorística Choque de Cultura e estrelas dos memes – aquelas fotos com piadas que circulam na internet de forma viral e orgânica – que você deve ter cruzado por aí em alguma rede social.

O Choque de Cultura traz programas curtos, de no máximo 10 minutos de duração, cheios de máximas ditas com as certezas que só motoristas de van, que opinam sobre o que querem, podem ter. O episódio publicado na quinta-feira, dia 1º, ultrapassou o 1 milhão de visualizações em sete dias e colocou os rapazes da TV Quase (grupo que realiza os vídeos publicados no canal de YouTube do site de cultura pop Omelete, sempre às quintas-feiras) como as novas estrelas do humor nacional.

Repercussão

“Esses caras são hilários”, diz Antonio Tabet, um dos criadores do humorístico Porta dos Fundos, programa responsável por popularizar a ideia de se fazer humor para a internet em grande escala.

Bruno Sutter, precursor do nonsense com Hermes & Renato, na MTV, vê o acerto do quadro no tal “choque” do título. “Eles juntaram dois mundos, né? Como água e óleo. Cinema e motoristas de van. Em premiações como o Oscar, vemos entendidos de cinema. Mas qualquer um pode falar sobre isso. Esse é o segredo.”

“O humor precisa trazer algo da vida de quem assiste”, comenta, por fim, Ian SBF, também criador do Porta

Publicidade

As credenciais dos rapazes do Choque de Cultura são boas, de fato. Mesmo que as frases ditas ali beirem o esdrúxulo: “Achou que a gente não ia falar de (insira aqui um tema qualquer), achou errado, otário”; ou “Não tinha um adulto consciente para colocar uma pistola na mão dessa criança?”.

Maurílio, Julinho da Van, Rogerinho do Ingá e Renan: os persongens do Choque de Cultura Foto: Jorge Maia

O absurdo é tal que promove o riso, num reflexo dos novos tempos do humor, enfraquecido na televisão, mas catapultado para nichos – fãs de cultura, esporte, etc – e com a popularização da internet. 

É uma revolução iniciada com as piadas nonsense do Hermes & Renato, no final dos anos 1990, que ganhou o auge com os esquetes de situações esdrúxulas do Porta dos Fundos e encontra no Choque de Cultura o sucesso do estapafúrdio, mas com um fundinho de verdade e vida real.

“Eu assisto ao filme para não ter que ler o livro”, diz, sincero, o personagem Renan (o Furlan), em certo episódio.

E quem nunca? 

Integrantes do TV Quase, grupo que criou o Choque de Cultura Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Como quatro motoristas de van se tornaram sensação da ‘crítica cultural’ bem-humorada na internet 

Um dos seis faz uma piada, todos riem e ouvem o barulho do clique da câmera fotográfica.

Publicidade

“Puts, ninguém vai acreditar que a gente estava rindo de verdade”, diz Juliano Enrico, um dos integrantes da TV Quase, esse grupo que produz o Choque de Cultura, um programa humorístico que ganhou o YouTube e ultrapassou a barreira de 1 milhão de visualizações, lançado semanalmente, sempre às quintas-feiras, no canal da plataforma de vídeos mantido pelo site de cultura pop Omelete.

Os rapazes divertem-se com o novo comentário, se desconcentram e esquecem da fotógrafa ali por um breve instante. Mais um clique. Mais risos. 

Não que rir seja um problema para Juliano, também criador da animação Irmão do Jorel, para os atores e roteiristas Caito Mainier, Daniel Furlan, Leandro Ramos e Raul Chequer, ou para o diretor Fernando Fraiha. O difícil, na verdade, é não rir, mesmo quando o assunto é sério.

Na mesma sessão de fotos para o Estado, na tarde de quinta, 8, sugeriram colocar um banco em dois degraus e sentar nele tortos, mesmo. “Vamos deixar desconstruído”, diz Raul Chequer, o intérprete de Maurílio, um dos motoristas que estrelam o programa – o mais “entendido” de cinema dos quatro na ficção.

Encerradas as fotos, ele diz: “Por favor, escolha a pior das fotos, ok?”. 

Já numa sala quadrada, com uma mesa no centro e pôsteres de filmes na parede, para a entrevista, eles param diante do cartaz do filme Eu Fico Loko, de Christian Figueiredo.

“Quando você não sabe quem é (no cartaz), é porque é cultura jovem”, brinca Mainier, o intérprete do apresentador do Choque de Cultura Rogerinho do Ingá – embora seja difícil saber se a frase veio do ator ou do personagem. “Você sabe que o raciocínio do fumante é complicado, né?”, diz ele, sobre os integrantes que fumavam um cigarro entre as fotos e o papo.

Publicidade

De novo, discernir entre criador e criatura é difícil. 

Possivelmente, aí esteja o segredo do Choque de Cultura, ao entregar absurdos, com frases de efeito que transitam entre o surrealismo e o “já conheci um sujeito assim”.

“Tá vendo isso? É tudo computador”, diz o personagem Julinho da Van, de Ramos, ao comentar o filme Animais Fantásticos e Onde Habitam. Embora o comentário faça sentido – afinal, blockbusters são recheados de efeitos visuais, mesmo –, encrencar com isso, em 2018, é surreal. 

O sucesso é tamanho que, no Rio de Janeiro, será realizada a primeira edição do Bloco dos Amantes da Sétima Arte, uma expressão dita pelo personagem Maurílio (de Chequer), no dia 17 de fevereiro. Até o fechamento desta edição, 5 mil pessoas já haviam confirmado presença no evento do Facebook.

E, mais curioso, o bloco não é oficial. “Estaremos aqui (em São Paulo), trabalhando”, explica Daniel Furlan, o Renan do Choque

Embora sejam personagens criados, os quatro motoristas absurdo têm raízes no real. Mainier, de fato, pegava a rota de van de Charitas, em Niterói, até a Gávea.

O estilo “palestrinha” sabichão de Maurílio vem do irmão do ator. A forma doce de falar de Renan foi inspirada num vendedor de mate, no Rio, e Julinho da Van, garante Ramos, é praticamente uma cópia do pai do intérprete.

Publicidade

“O melhor comentário que já li nos vídeos era: ‘Claramente são atores’”, diz Ramos. 

Na era das redes sociais nos quais os memes – aquelas figuras, fotos e frases – ganham proporções gigantescas, de compartilhamento em compartilhamento, o Choque de Cultura é um prato cheio. Máximas de efeito são ditas aos montes pelo grupo que passou a trabalhar junto em 2012, em outros projetos e parcerias, de Larica Total (do Canal Brasil), passando por MTV (Rockgol) e humorísticos do YouTube, como O Último Programa do Mundo, Falha de Cobertura e Overdose.

“O segredo para um programa dar certo”, diz Chequer, “é fazer vários outros errados”, encerra ele, ou seria Maurílio? 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.