Shani Diluka nasceu 37 anos atrás no Principado de Mônaco, de pais originários do Sri Lanka. Estudou no Conservatório de Paris com Georges Pludemarcher e, posteriormente, com Nicholas Angelich e Bruno Rigutto. Road 66, disponível para download em iTunes por US$ 7,99, é seu primeiro CD. Aparentemente já apresenta erro no título, quando lembramos da célebre Route 66 que rasgava boa parte dos EUA, entre Chicago e a Califórnia. Não é erro. Ela quis misturar a Route 66 com On the Road, a bíblia beatnik de Jack Kerouac. O CD é uma espécie "on the road" musical, viagem sem destino pela música para piano, até sessão de psicanálise musical. Misturam-se sons do australiano naturalizado norte-americano Percy Grainger com Samuel Barber; do pianista de jazz Bill Evans com os minimalistas Philip Glass e John Adams; de Leonard Bernstein com Gershwin e o argentino Alberto Ginastera, entre outros. Detalhe: para cada peça, Shani escolheu um trecho de On the Road. Ela descreve o processo de gestação do CD assim: "Entre a incandescência da vida e o zen budismo, o passo é ínfimo... Assim, Kerouac, em sua busca inesgotável pelo infinito, leva-nos pelas estradas da América, dos cânions às estrelas... uma América entre fantasmas e verdades".
Já deu para perceber a pegada do projeto musical de Shani Diluka. Não se deve procurar coerência, mas o desenrolar de um fluxo de consciência, como a escrita espontânea de Kerouac. E não é que funciona? Na primeira faixa, ainda dá vontade de ler Kerouac enquanto se ouve
China Gates
, de John Adams: "Eu havia atravessado metade da América, estava por um fio, entre, ao leste, minha juventude e, a oeste, o meu futuro". Depois é melhor deixar-se levar só pela música. Vejam a sequência:
My Wild Irish Rose
, de Keith Jarrett,
Lullaby
, de Grainger,
Pas de Deux
, de Barber,
Young Birches
, de Amy Beach, a primeira mulher compositora a se afirmar nos EUA entre o final do século 19 e o início do 20. A "viagem" continua com
Waltz for Debby
, de Bill Evans, duas vinhetas de Bernstein, o arranjo de Jarrett para
I Love You Porgy
, de Gerhswin. No final, a curiosa
Chandeliers
, do compositor contemporâneo Richard Hyung-ki Joo, de pais coreanos mas nascido na Inglaterra: a peça foi composta sob o impacto do 11 de setembro de 2001.
E a qualidade do pianismo de Shani Diluka? Nada fora do normal. Ela é só competente. O divertido e diversificado repertório é que a destaca. Boa maneira de "causar" no superpovoado planeta dos tecladistas de todas as tribos e latitudes do planeta.