Faltando 3 minutos pra começar a primeira transmissão ao vivo em Realidade Virtual de uma orquestra no mundo, o frio na minha barriga era similar ao do dia quando toquei bateria pela primeira vez com Jorge Ben, aos 15 anos, substituindo (sem ensaios) o baterista titular. O coração pulsa por todo corpo. Olhando para equipe, havia uma eletricidade no ar. Todos estávamos emocionados.
Pensei nos sete anos de trabalho da OSESP revisando e corrigindo erros editados nas partituras do Villa Lobos. Lembrei de sua monumental contribuição ao Brasil e ao mundo, acrescentando nosso folclore à música para concerto, inaugurando texturas, timbres, ritmos e, por consequência, fazendo a cabeça de um monte de gente que apresentou nosso pais ao mundo - Pixinguinha, Ary Barroso, Caymmi, Tom, Gismonti, Lins...
Desde 2010 vejo a Realidade Virtual como uma mídia de música. Algo que recuperasse seu protagonismo e ainda colaborasse para cura dessa epidemia mundial de atenção fragmentada. Hoje, vivendo a Idade Média Digital, a erosão do foco, da concentração - algo desenvolvido por nossa mente durante milhões de anos -, preocupa-me muito. Rouba minha atenção esse estado de anoesis associada a um meio de pagamento qualquer. Não somos zumbis, máquinas biológicas de compras.
A música, mais uma vez, pode nos ajudar. Aliás, Jaron Lanier, o pai da tecnologia e do termo "Realidade Virtual", é músico, cientista e filósofo da computação. Uma canção vista em Realidade Virtual nos dá 3 a 4 minutos de imersão, utilizando a plenitude da nossa cognição musical, criando uma sinfonia neural por ativar quase todas as áreas do cérebro. Desde a parte reptiliana, até o córtex frontal, passando pelo núcleo acumbente - ligado à gratificação. E também serve para educação, entre muitas outras funções. Se usada para esse propósito, certamente diminuirá a quantidade insana de metilfenidato vendida aos nossos estudantes. A indústria farmacêutica, quando perceber seu potencial, embarcará nessa onda correndo, eu creio.
Se Villa Lobos quando implementou o Canto Orfeônico nas escolas públicas brasileiras tivesse a Realidade Virtual então à disposição, teríamos tido um ganho exponencial na difusão de cultura e conhecimento, afinal, é mais fácil distribuir óculos de papelão para os estudantes do que construir novas salas de aula. Ainda mais conhecendo as prioridades de nossa (falta de) classe política.
Já transmitimos o Grammy e o Oscar (para TNT) e até Stevie Wonder, agora, o Villa como o primeiro compositor a ter sua obra transmitida ao vivo em Realidade Virtual, interpretada pela OSESP e regida pelo Karabtchevsky, me fez sonhar com o Brasil de novo. É de manhã em nossas vidas; é tempo de despertar.