Norah Jones volta às raízes jazzísticas e cria ‘Day Breaks’, seu novo disco

Cantora falou ao 'Estado' sobre o novo álbum

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Por Pedro Antunes
Atualização:

“Eu não consigo suportar quando você me pede para voltarmos”, canta Norah Jones em Flipside, uma das novíssimas faixas de Day Breaks, disco previsto para chegar às lojas em 7 de outubro. Para a sorte da cantora de 37 anos, o piano de sua sala não fala ou tem sentimentos humanos. Caso contrário, ressentido, o instrumento lhe diria algumas verdades – esse verso, em especial, viria bem a calhar.

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A norte-americana, que estourou ao redor do mundo em 2002 com Come Away With Me, disco que vendeu mais de 10 milhões de cópias em seus primeiros três anos e lhe garantiu oito gramofones dourados do Grammy, distanciou-se das teclas e do jazz a cada ano, a cada novo álbum. E, após um período sabático iniciado em 2013, para dar à luz seus dois filhos, ela está de volta. E fez as pazes com o instrumento com o qual construiu sua fama. 

“Foi algo que aconteceu”, justifica ela, rindo. “De repente, me vi ao lado de músicos de jazz incríveis. De alguma forma, senti essa vontade de fazer um disco com eles.” Norah se refere à apresentação realizada em 2014, organizada para comemorar os 75 anos da gravadora Blue Note, lendária por ter em seu catálogo os grandes nomes do jazz, dos clássicos aos contemporâneos, e responsável por acreditar na cantora e contratá-la para o lançamento do debute Come Away With Me. Naquela noite especial de 11 de maio, ela subiu ao palco com figuras importantes do jazz. Ao seu lado, durante a reedição de I’ve Got To See You Again, do primeiro disco da moça, estavam Jason Moran (piano), John Patitucci (baixo), Brian Blade (bateria) e o lendário Wayne Shorter (saxofone soprano). Destes, apenas Moran não participa de Day Breaks. 

“Aquela noite foi, de fato, muito especial. Voltei para casa com essa ideia, que era gravar um álbum com eles. Não queria fazer só um disco de canções antigas. Eu tinha sons na minha cabeça, músicas que queriam sair. Dessa forma, eu me sentei ao piano e comecei a trabalhar nelas.” O álbum tem 12 canções, sendo nove inéditas e três covers – as escolhidas foram Fleurette Africaine (de Duke Ellington), Peace (Horace Silver) e uma versão jazzy de Don’t Be Denied (de Neil Young).

Em Day Breaks, há uma clara inspiração em Come Away With Me. O disco de estreia de Norah inclui grandes sucessos da sua carreira, como a já citada I’ve Got To See You Again, Don’t Know Why e a canção-título. A força daquele primeiro trabalho, embora embebido de inspirações jazzísticas, era o poder pop que aquelas canções ofereciam. Não por acaso, mesmo após três bem-sucedidos anos de vendas, o disco continuou nas prateleiras. Atualmente, são 23 milhões de cópias vendidas. 

Quando a Blue Note anunciou a volta de Norah aos estúdios (no Brasil, o álbum chega com a gravadora Universal Music), há alguns meses, havia na nota uma declaração da cantora na qual dizia que Day Breaks “completava o círculo”. “Estou voltando às minhas influências mais primárias. Depois do primeiro disco, eu me distanciei um pouco do piano. Eu ainda o tocava, mas estava mais inspirada em compor com o violão. Realmente, amei tocar piano nesse álbum”, disse. 

Ao Estado, Norah explica a frase. A ideia do novo trabalho não é tanto voltar ao que a cantora já foi um dia. De 2002 para cá, afinal, passaram-se 14 anos. “É, entendo que aquela frase tem essa conotação de encerramento de algo, de retorno. O que sinto com Day Breaks é que estou seguindo em frente. Este álbum está muito à frente daquele. Talvez, esteticamente, possamos pensar dessa forma, fazer essa ligação com Come Away With Me, mas acho que é somente isso. Ele, afinal, é mais parecido com o meu disco de estreia do que o meu último”, avalia. O último trabalho de Norah havia sido Foreverly, lançado em 2013 ao lado do vocalista e guitarrista Billie Joe Armstrong, do Green Day. Nele, os dois criam covers do The Everly Brothers. Mais country e menos jazz do que isso, impossível. “Eu, definitivamente, estou muito animada em fazer novas músicas. Me sinto muito inspirada.”

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É curioso pensar que o surgimento de Norah Jones naquele início dos anos 2000 foi responsável por abrir a porta para uma nova safra de grandes compositoras e cantoras com inspirações jazzísticas e do soul norte-americano, que cantam ao piano seus desamores. Amy Winehouse lançou seu primeiro disco, Frank (2003), um ano depois do debute de Norah, justamente quando a norte-americana nascida no Brooklyn ganhava tudo o que disputava no Grammy. Adele, o maior blockbuster da música na atualidade, só começou a espalhar sua sofrência no piano em 2006. 

Norah nunca escondeu o quanto suas canções nascem de inspirações pessoais. Assim, reuniu as dores e entregou Come Away With Me. Ocasionalmente, na carreira, a melancolia que ela tinha por dentro se esparramava visivelmente nos seus discos. Em The Fall, de 2009, ela cantava versos como “não vou precisar de você” e “você me arruinou”. Aquele álbum trazia as amarguras de duas perdas. O fim do relacionamento de sete anos com o baixista da sua banda, Lee Alexander, e as brigas com o pai, o grande músico indiano Ravi Shankar, eram sentimentos grandes demais para ela conseguir segurar consigo. Shankar morreu em 2012. 

Day Breaks parece melancólico – e isso pode ser colocado na conta do piano choroso de Norah, do saxofone tristonho do senhor Shorter e dos arranjos de cordas ocasionais. O álbum, contudo, é cheio de esperança. É o novo momento da cantora, afinal. Da mesma forma como a tristeza se embrenha nas canções, a felicidade também. O disco começou a nascer há dois anos, justamente no período em que nasceu o primeiro filho da cantora. Um par de anos depois, veio o segundo. 

Com duas crianças em casa, a rotina trocada, noites maldormidas, tudo veio junto com o retorno dos discos de jazz ao aparelho de som de Norah. Com ele, a cabeça da cantora viajava nos improvisos e em questões que fugiam de estrofes, versos e refrãos. In A Silent Way, disco de Miles Davis lançado em 1969, começou a rodar copiosamente na vitrola. O álbum Duke Ellington & John Coltrane, de 1963, também. “Acho que o nosso humor muda, não acha? Você passa a ouvir outros tipos de música”, diz. “Mas sempre volto ao jazz. Quando fazia música com violão, ouvia esse tipo de canção. Desses tempos para cá, o jazz tem feito a minha cabeça.” E, caso o piano da sala ainda se ressentisse do abandono, nada como uma balada para conseguir o perdão. “Vamos apenas esquecer, deixar o que aconteceu para trás e seguir em frente?”, sugere ela na inédita Carry On – e, pronto, o relacionamento foi reatado. 

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