PUBLICIDADE

Mestrinho e Lulinha prestam homenagem a 'Seu Domingos'

Os dois sanfoneiros levam ao palco do Sesc Pompeia, neste sábado (6), o repertório do disco ToCantE, gravado só com dois acordeons e a participação especial do músico francês Richard Galliano, tudo para homenagear Dominguinhos

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Há uma falha no coração de todo sanfoneiro, aberta no dia 23 de junho de 2013. Ali se foi não sua referência maior, mas o homem que carregou nas costas a afirmação cultural de um povo inteiro. Seu Domingos para as reverências oficiais, Dominguinhos no popular, recebe de dois seguidores um tributo sem subterfúgios pops ou artimanhas conceituais.

Mestrinho e Lulinha, em nome de Dominguinhos Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

PUBLICIDADE

As sanfonas de Mestrinho e Lulinha Alencar falam de um mesmo assunto com sotaques diferentes. Elas estão no álbum ToCantE, um projeto original de Lulinha, que tem Mestrinho como convidado, Dominguinhos como fonte e uma participação do acordeonista francês Richard Galliano. Um show neste sábado, dia 6, no Sesc Pompeia, coloca os dois brasileiros lado a lado.

A angústia de Dominguinhos, que passou seis meses internado no Hospital Sírio Libanês entre a resignação e o esforço para vencer as complicações de um câncer de pulmão, teve trégua nas visitas de Lulinha e Mestrinho. “Íamos tocar sanfona para ele, e tocávamos muito”, lembra Lulinha. Entre xotes e baiões ao pé da serra que lhes deu vida artística e jeito para acariciar as teclas, os dois fortaleceram a amizade. Um dia, tocariam juntos por Seu Domingos.

O álbum ToCantE não é uma homenagem clássica, o nome de Dominguinhos não aparece na capa. Ela é quase orgânica, ficando mais evidente no repertório e nos desenhos das melodias. Há uma foto no encarte e um texto de Lulinha. “Nesse momento, choro não a perda de um rei, e sim a presença desse mesmo rei, vestido de 120 baixos e uma auréola de couro...” De uma só resfolegada, eles acertam Dominguinhos e os mestres aos quais um dia ele também mandou oferendas. As duas sanfonas tocam, de Dominguinhos, o choro jazzeado Homenagem a Pixinguinha, a encrencada Noites Sergipanas, a chorosa Ilusão Nada Mais, a hiperativa Homenagem a Jackson do Pandeiro e a fatiada Um Abraço no Romeu. Lulinha e seu sotaque afrancesado leva suas O Meu Último São João, Cutucufole e Tocante, enquanto Mestrinho, em sua mansidão cheia de delicadezas, tem Só Deus Sabe e Choro Sentido. O álbum termina apontando para a imensidão de Dominguinhos. Da França, Richard Galliano mandou para Seu Domingos Ciao São Paulo. “Galliano entra no espírito para fazer sua homenagem a Dominguinhos, deixando aquele virtuosismo de lado e investindo em poucas notas”, diz Lulinha.

Mestrinho segue em curva ascendente desde os tempos em que passou a acompanhar Dominguinhos em seus shows. Foi nominado pelo próprio sanfoneiro como um “herdeiro”. Em 2014, lançou o disco Opinião, com participação de Gilberto Gil, que teve Mestrinho em sua banda para lançar o álbum Gilbertos Samba, em homenagem ao repertório de João Gilberto. Tudo bem rápido para o sergipano filho de sanfoneiro Erivaldo de Carirade, e neto do tocador de oito baixos Manezinho do Carira. Às vésperas de lançar seu novo disco, divulga um clipe de sua criação, Serei Pra Ti, com a participação de outra de suas admiradoras, Ivete Sangalo. Sobre Dominguinhos, seu pai artístico, Mestrinho diz o seguinte: “Ele foi quem me levou a ouvir músicos que me mostrariam funções harmônicas modernas. Foi depois de conhecer Dominguinhos que fui saber mais de Chet Baker e John Coltrane”. 

A simplicidade de Dominguinhos enganava velocistas que o viam como representante de uma música menor. Seu fraseado passeava por harmonias construídas com sofisticação, mas de uma sabedoria sertaneja, daquelas que não tiram o coração jamais da frente. Lulinha, também pianista, vem de outro canto, Rafael Godeiro, do sertão do Rio Grande do Norte. Atuou bem em São Paulo, ao lado de Mônica Salmaso, Benjamim Taubkin e Teco Cardoso, e transita entre sanfoneiros do mundo como Galliano, o malgaxe Regis Gizavo e o búlgaro Martin Lubenov. Sobre a manhã do dia 23 de julho de 2013, quando Dominguinhos se foi, Lulinha diz assim: “Ali perdemos nossa referência essencial. Se você quisesse aprender música sem entrar em uma faculdade, era só ouvir bem Dominguinhos. Ali estava a pré-escola, o ensino fundamental, o médio, a faculdade e o mestrado”.