Marcelo Yuka procura otimismo no caos em primeiro disco solo

"Não queria fazer um disco que doesse. Então, ele propõe uma saída. Ou, pelo menos, ele procura por ela. É um trabalho otimista", diz o bateria

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Por Pedro Antunes
Atualização:

O que há depois do ódio? Otimismo, talvez. Diante do negrume pessimista contemporâneo, Marcelo Yuka, antigo baterista d’O Rappa, criador dos hits da banda, como Pescador de Ilusões, Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero) e Todo o Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro, prefere buscar refresco na ideia de que o caos moderno vai se dissipar. 

Marcelo Yuka Foto: Daniela Dacorso / Divulgação

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O presente que atormenta o músico de 51 anos tem um Donald Trump na presidência dos Estados Unidos e outras versões da figura de topete loiro engomado em diferentes aspectos da sociedade contemporânea. Um exército de “Trumps” está espalhado por aí, segundo Yuka, porque o milionário e atualmente político é o “ícone mundial do atraso e da intolerância”. “Vivemos em um momento de grande fascismo. Um ódio está presente em tudo, em ícones como Trump ou Bolsonaro (deputado federal pelo Rio de Janeiro, do Partido Progressista)”, ele analisa. 

A entrevista ao Estado, por telefone, ocorreu poucas horas depois da notícia da morte do filósofo Zygmunt Bauman, na segunda-feira, 9, aos 91 anos. O polonês cunhou a ideia de uma modernidade líquida, na qual em nosso mundo, sem raízes, somos desamparados de parâmetros previsíveis. “É uma pena não termos mais um sujeito como o Bauman por aqui”, reflete Yuka, leitor da bibliografia do filósofo que morreu na Inglaterra, onde morava. “Ele sempre foi alguém muito forte na luta contra esses canais.” 

Canções para Depois do Ódio é o primeiro trabalho de Yuka em mais de uma década. Desde a saída da banda com a qual fez sucesso, O Rappa; desde ser atingido pelos disparos que lhe tiraram o movimento das pernas e passaram a lhe causar dores dilacerantes quase diárias; desde o disco com a banda Furto, de 2005, em uma tentativa de dar continuidade ao sucesso obtido com o Falcão e companhia. O disco só começou a ser erguido em 2014, conta o compositor e baterista, quando ele, na liberdade poética permitida, encontrou a “batida perfeita”. Neste caso, encontrou a fusão do batuque do terreiro, da sonoridade afro-brasileira, da herança do funk carioca vindo dos morros que Yuka ouvia quando jovem, com a eletricidade também dançante dos sintetizadores. Com a ajuda do produtor Apollo 9, que assina com ele também a gravação e a mixagem de Canções Para Depois do Ódio, Yuka encontrou o caminho que tanto procurava. 

O documentário Marcelo Yuka no Caminho das Setas, da cineasta e jornalista Daniela Broitman, de 2012, mostrava o duro caminho percorrido pelo músico, dos momento em que perdeu o movimento das pernas e passou a se movimentar com uma cadeira de rodas, até o caminho tortuoso que era encontrar o som para aquele que seria seu novo disco. Ou seja, antes de 2012, Yuka já perseguia a ideia do trabalho, mas ainda vagava sem rumo. 

O nome do documentário foi sacado de uma frase dita por Waly Salomão a Yuka. “É preciso encontrar o caminho das setas”, falou o poeta. Por um tempo, como o filme de Daniela mostrava, Yuka sentia a dificuldade de encontrar o caminho pelo qual deveria trilhar. Com Apollo 9 e a onda de ódio descrita por ele, encontrou o seu. 

Daniela, contudo, protagonizou recentemente uma polêmica em torno do amigo. Em um publicação no Facebook, no fim do ano passado, ela dizia que Yuka estava internado em estado grave, algo desmentido por empresário e até assessoria de imprensa. Na divulgação de Canções para Depois do Ódio, Yuka conversou com os jornalistas do hospital, mas não comentou sobre seu estado de saúde. A representação da gravadora de Yuka, a Sony Music, diz que o artista está se recuperando e, em fevereiro, dará início à turnê do disco. A primeira apresentação, no Rio de Janeiro, ainda não está marcada. 

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Para esse primeiro disco solo, Yuka se reuniu de vozes dos outros para dar vida aos seus versos que buscam a compreensão do ódio e caos atual e propõem, de alguma maneira, uma saída. Bukassa Kabengele, cantor belga de ascendência congolesa e no Brasil desde os 10 anos, está em quase todas as 16 canções. “É um disco de batidas africanas levadas a outras consequências”, justifica. Céu sussurra, em Por Pouco, aquelas que são as palavras mais pessoais de um disco que tenta tratar do mundo em torno de Yuka. “Por pouco mesmo, mas um muito pouco, eu dispenso a luz do dia”, ela canta. É Yuka olhando para si, para sua depressão, mas sem se deixar abater. “Sou um poeta”, ele explica. “Posso construir utopias. Posso mostrar que talvez exista futuro depois dessa loucura toda.”