Marcelo Camelo e Mallu Magalhães criam seu projeto mais ensolarado

Ao lado do baterista Fred Ferreira, eles formam a Banda do Mar e lançam o primeiro disco; show em São Paulo será dia 31 de outubro

PUBLICIDADE

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

 O retiro de pouco mais de um ano em Lisboa rendeu ao casal Marcelo Camelo e Mallu Magalhães um outro episódio em suas histórias. Ao lado do baterista português Fred Ferreira, de produções mais eletrônicas e percussivas, como as que faz nos coletivos Buraka Som Sistema e Orelha Negra, eles criaram a Banda do Mar. O primeiro disco, com novas de Mallu e Marcelo, sai esta semana, e a turnê começa em 10 de outubro, em Porto Alegre, e vai até 9 de dezembro, em Goiânia. São Paulo vê o trio dia 31 de outubro, na nova casa Áudio Club, na Barra Funda. 

A Banda do Mar Foto: Pedro Trigueiro / Divulgação

PUBLICIDADE

Em poucas linhas, ou em uma palavra, trata-se de um disco mais otimista, ou “ensolarado”, se comparado a trabalhos dos Los Hermanos e do Buraka. Gravado com linhas de baixo e bases de violão colocadas em estúdio, o que se ouve é essencialmente um som de trio, seco e roqueiro, com solos de Camelo que muitas vezes lembram a surf music dos anos 1960. O 'Estado' encontrou os três na tarde de ontem, na sede da gravadora Sony, em São Paulo.

Vocês já sabiam o que queriam quando entraram no estúdio?

Mallu: Olhando agora, eu consigo identificar as nossas intenções diretamente relacionadas com o resultado ensolarado, expansivo, mais comunicativo. A gente estava mesmo nesse momento, sabe? Os três felizes, tantas coisas bonitas acontecendo, o Fred com estúdio novo (onde o disco foi gravado), eu e Marcelo conhecendo um país, a nossa vida juntos. Acho que o disco refletiu esse momento. 

Há letras que apontam para uma autobiografia. Mallu faz 'Me Sinto Ótima' (Eu me achei no colo do meu par / A melhor parte de mim eu acabei de descobrir / E se perguntarem por mim / Diga que eu estou ótima). Depois, vem Marcelo com 'Faz Tempo' (Faz tempo que eu quero descansar / E veras coisas por aí / Viver conforme o que vier / Só precisar do que eu tiver). Olhando agora o quadro que vocês pintaram, o que ele quer dizer?

Marcelo: Eu não faço uma letra há muito tempo mirando em um objeto único, com começo, meio e fim. É quase como reconhecer na existência de todas as coisas uma parte de mim, fazer essas associações livres entre elas. Tento ver se consigo revelar para mim mesmo coisas sobre mim. 

A referência a Los Hermanos é natural e, se olharmos em comparação, a Banda do Mar é muito menos reflexiva, mais divertida. A palavra seria despretensiosa?

Publicidade

Marcelo: Não sei, temos tantas pretensões também... A criação está ligada aos nossos sentidos, ao que percebemos ao redor. Há uma influência de lugar, de nosso estado de espírito, mas pode ser também uma projeção do que queremos alcançar. Às vezes, estar ali pregando algo feliz é só um bote salva-vidas para você mesmo. Gritar um viés de felicidade não quer dizer necessariamente que você esteja feliz. Sobre soar biográfico, acho bonito que se possa trazer alguma orientação de estado de espírito. Faz sentido.

Os universos fogem um pouco do que fazem em outros trabalhos. Fred faz uma bateria de rock, mais orgânica, e Marcelo faz vários solos que lembram a surf music dos anos 1960. O que vocês ouviram como inspiração?

Fred: Ouvimos Beatles, sempre muito importantes, e gostamos de Growlers (quinteto californiano). Mas acaba sendo um conjunto de tudo o que sempre escutamos.

Marcelo: O Matt (Taylor), do Growlers, tem um jeitinho de tocar no canto esquerdo, guitarras doces, fazendo paisagens. Gosto também do Pedro Sá, do (Rodrigo) Amarante, as guitarras dos filmes do Tarantino... O Fred disse uma coisa lá no início que eu acho que norteou o trabalho na hora da composição e de fazermos os arranjos. A gente não estava em busca de uma estética mirabolante, queríamos o contrário, e o Fred disse de como nas músicas dos Beatles a próxima nota é aquela que você quer ouvir. Você a antevê, você a espera, e ela acontece. É uma sequência disso o tempo inteiro, e eles nunca te dão uma rasteira. A gente ficou com isso na cabeça, foi uma orientação. Queríamos algo que tivesse essa fluidez, que não se valesse do artifício da surpresa para construção da sua figura.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Curioso que, no Los Hermanos, a gente esperava pela nota e nem sempre ela chegava. A Banda do Mar atinge mais expectativas?

Marcelo: Depois que o disco sai, você vê como que qualquer obra que você produza vira eixo de discussão para dois lados. Um cara pode dizer que é pueril, infantil, superficial. Da mesma forma como quando você faz algo com profundidade existencial, um outro diz: “Poxa, 2014, mó solzão e o cara tá aí reclamando da vida”. É um discurso que também faz sentido. Nós aprendemos a ter um certo amor por essa diversidade e a não nos colocarmos mais na posição de ficarmos ofendidos com o cara que está em outro momento da vida. O papel desse negócio é ficar girando. As pessoas vão encontrar isso em momentos diversos da vida delas. Se o cara tem 18 anos e está lendo Sartre, pode achar tudo infantil. A gente está em outro momento, já caminhamos por esse lugar e amanhã é capaz de mudarmos de novo.

Como lidar com o vazio dos trios, como se conter aos impulsos de preencher os espaços em branco?

Publicidade

Mallu: A gente pensou muito nisso. Tínhamos até vontade de fazer um power trio, mas vimos que conseguiríamos força dobrando algumas guitarras e fazendo violão base. Não saíamos muito desse formato elétrico, de quase trio. Nos shows, tem só mais um baixista e um guitarrista. Eu, sempre que imaginava um arranjo, via a possibilidade de outros elementos, quase como um artifício, mas a gente queria se aproximar da guitarra, do baixo, da bateria. Isso nos levou a arranjos mais criativos. 

Banda do Mar é um projeto ou uma banda que está lançando seu primeiro disco?

Marcelo: Essa pergunta revela como os tempos mudaram. Eu vim pensando: a gente vive em uma época diferente, nossa geração se sente mais à vontade para não ter uma resposta a esta pergunta, podemos nos juntar para fazer uma coisa de que gostamos e ficarmos à vontade para revisitar esse lugar quando der. Lembro que, quando os Hermanos pararam, foi uma coisa: “Ah, caramba, é o fim”. Isso pra mim, pra banda, pra todo mundo. E, hoje, a gente se encontra para fazer shows e tem sido cada vez mais tranquilo, sem precisar dizer que é uma volta de algo que um dia terminou.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.