Luiz Gabriel Lopes, do Graveola, lança o disco Maná, um álbum de experiências e vivências

Mana afunila, no bom sentido, o artista que é multifacetado, tem festival, tem banda, é ativo na cena de música independente de Belo Horizonte, mas ainda é um só

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Ao caminhar pelo tablado, com o violão em uma das mãos, Luiz Gabriel Lopes faz com que o som dos seus pés descalços a bater no solo reverbere pelo restante do Teatro Bradesco, imponente espaço cultural de Belo Horizonte. Só, anda até o banquinho onde é banhado por um facho de luz e passa a dedilhar o instrumento. 

Luiz Gabriel Lopes Foto: Chicó do Céu

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Não era a atração principal da noite da Mostra Cantautores, organizada pelo próprio, com o intuito de reunir artistas e colocá-los diante do público sem muletas ou disfarces sonoros, somente na voz e no violão. Em uma noite incendiada por Chico César, aquele furacão de cordas e vozes em um sujeito só, Luiz Gabriel era a delicadeza, o menos que alimenta, abastece e faz sorrir. 

Os mesmos pés descalços estão no encarte de Mana, o terceiro álbum do cantor e compositor mineiro, realizado com o auxílio dos próprios fãs, via crowdfunding, lançado de forma digital na última quarta-feira, 9. Em vez do palco lustroso, Luiz Gabriel pisa nas folhas secas de uma trilha aberta entre as árvores do Jardim Botânico de Belo Horizonte. 

Daquela noite, ele também traz para o álbum Quiléia, uma balada executada diante do público presente no teatro e registrada com a participação da cantora Ceumar para revezar os vocais com ele. Uma canção que, se é de amor, não é óbvia. Por sinal, Mana não é um álbum de obviedades e lugares-comuns. Luiz Gabriel é compositor de significados embutidos, subtextos, de intenções. 

“É aquele lance da conversa do Bob Dylan para o John Lennon, né? Ele diz: ‘E aí, você vai ficar cantando que ela te ama, yeah, yeah, yeah, até quando?’”, brinca Luiz Gabriel. Quiléia, uma parceria dele com Paulo César Anjinho, é uma lamúria de solidão, amparada por ecos andinos erguidos a partir das flautas de Pantoja, assobiadas ao fim das estrofes.

É a distância do outro discorrida pela amplitude do lamento. “Meu lamento é pássaro sozinho, viravolteando o céu, paira por cima da chuva, desce a montanha da ribeira num piscar”, canta ele, em certo momento. “Meu lamento é só saudade”, completa. Nessa busca por não soar óbvio, Luiz Gabriel desconstrói o discurso com o “só” – qual seria o peso dessa saudade sentida durante esse lamento, afinal? 

E, de alguma forma, é a saudade que define Mana, mesmo indiretamente. O álbum evoca a distância, a partir das perambuladas do autor pela Amazônia e pela América Latina. Dessas viagens, nos fins de ano de 2015 e 2016, surgiram algumas dessas canções. “Acho a América Latina misteriosa, é um povo que tem uma força. É uma gente bonita e forte”, avalia Luiz Gabriel, antes de citar A Palo Seco, canção de Belchior: “Tenho vinte e cinco anos / De sonho e de sangue / E de América do Sul”. “Esse é um disco que vem de uma vontade de cartografar esse lugar onde vivemos. É um testemunho de estar vivo”, ele diz.

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A música 1986, a primeira do álbum e single lançado antes da chegada do álbum, dialoga com esse sentimento: “Eu sou seu irmão / hermano, soy yo”, diz o verso final, repetido numa prece. Assim como Música da Vila, a quarta do trabalho, uma das cinco faixas criadas em parceria com Téo Nicácio, também pincelada por versos em espanhol. 

A mesma Música da Vila discorre, com leveza, pelo ambiente comunitário de uma vila de artistas. “Cada um dá o que pode, no final não vai faltar”, canta Luiz Gabriel. Ao viver no interior desse universo, o artista buscou a troca com outros artistas também. “Existe, sim, um sentimento comunitário, de partilhar as coisas”, ele explica. Apenas duas canções de Mana (1986 e Apologia) são assinadas somente por ele. Outras duas (Matança e Caboclin) são interpretações dele a respeito de canções de outros. 

Mana afunila, no bom sentido, o artista que é multifacetado, tem festival, tem banda, é ativo na cena de música independente de Belo Horizonte, mas ainda é um só. E surge das experiências e suas vivências nos últimos tempos, desde o lançamento de O Fazedor de Rios, seu trabalho de 2015 – nem que seja a canção criada para manter acordado o caminhoneiro que lhe deu carona (381 Blues) em alguma das viagens. É um disco de vivências. De uma vida bem vivida. 

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