'La La Land' mistura paixão, jazz, sonho e evoca clássicos de grandes diretores

Longa traz dirigido por Damien Chazelle tem no elenco a dupla Ryan Gosling e Emma Stone

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Recordista de indicações deste ano, no Globo de Ouro, La La Land recebeu as sete estatuetas a que concorria, inclusive melhor filme de musical ou comédia, diretor (Damien Chazelle), ator (Ryan Gosling) e atriz (Emma Stone). Mesmo que o prêmio não seja mais um indicador seguro do Oscar - os troféus dos sindicatos são apostas mais promissoras -, você pode ficar certo de que La La Land terá muitas indicações para o prêmio da Academia e, eventualmente, pode até vencer. Hollywood adora musicais.

Enquanto o Oscar não chega, La La Land já lidera, com 11 indicações, a corrida pelo Bafta, o prêmio da Academia inglesa. O anúncio foi feito nesta quarta, 11. Com o subtítulo, no Brasil, de Cantando Estações, La La Land estreia somente dia 19, mas, a partir desta quinta, 12, terá pré-estreias diárias. Não será um circuito tão grande como as 700 salas que vão exibir Os Penetras 2, de Andrucha Waddington, mas você pode anotar que a corrida aos cinemas será grande. Globo de Ouro, Oscar. Esses prêmios são poderosos chamarizes de público. E La La Land é muito, muito bom. O curioso é que, apesar das múltiplas referências a Vincente Minnelli e Bob Fosse, a matriz do musical de Damien Chazelle é europeia - Jacques Demy. Jacques quem? Você sabe. Há um culto a Jacques Demy e a filmes como Os Guarda-Chuvas do Amor e Duas Garotas Românticas. Nos anos 1960, muitos críticos chamavam o lirismo de Demy de mentiroso. Chegaram a transformá-lo num ‘caso’ para justificar a decadência da nouvelle vague, o movimento de renovação do cinema francês da época.

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Lirismo mentiroso? Com canto, dança e estrutura de melodrama, Os Guarda-Chuvas do Amor não é só inovador quanto à forma. É um dos filmes mais duros feitos na França pós-Guerra da Argélia e um dos raríssimos, no calor da hora, a abordar o tema quase sempre escamoteado pelos demais autores da nova onda. Demy é a matriz de Chazelle, o diretor de Whiplash, que no Brasil, só para lembrar, ganhou um acréscimo ao título - A Busca da Perfeição. É o tema embutido em La La Land.  A história de um casal. Ryan Gosling quer ter seu clube de jazz, Emma Stone quer ser atriz. Eles conseguem, mas... Olha o spoiler. A vida é imperfeita, só a arte é perfeita para realizar aquilo que a realidade inviabiliza. Nesse choque entre arte e vida, entre o que se sonha e o que se adquire, há uma tristeza profunda na essência de La La Land. Mas o filme é belo. Como os musicais de Demy.

Há um momento de La La Land em que Ryan Gosling e Emma Stone, depois de se cruzar uma, duas, três vezes, começam a ficar. Ele fala do seu amor pelo jazz. Ela diz que não gosta. Gosling inflama-se. Faz uma defesa da sua paixão. Todo o tema do filme de Damien Chazelle está resumido nessa única cena. Mais tarde, Gosling terá outra discussão com o músico que contrata para integrar sua banda. O jazz carrega esse embate entre tradição e modernidade. Gosling venera os clássicos, mas como se chega aos jovens? E sem os jovens, se os velhos se vão, como se mantém a chama?

Chazelle está falando de jazz, mas também de musical, porque em seu filme também há esse embate entre tradição e modernidade. Ele cita o mestre Vincente Minnelli. Gosling e Emma, depois de uma festa, caminham no alto de um monte, com árvores ao redor. Caminham, mas de repente estão dançando - como Fred Astaire e Cyd Charisse na cena imortal de A Roda da Fortuna, citada por Santiago, o mordomo da família Salles, no documentário de João Moreira Salles. Bem antes disso, a abertura, aquela coreografia no trânsito, evoca Jerome Robbins, Amor Sublime Amor, ou West Side Story. Mas também tem ali algo de Bob Fosse, como as cenas de festa parecem derivadas do Rhythm of Life de Sammy Davis Jr. em Charity, Meu Amor.

Transição, modernidade. Minnelli é referido de novo, mais adiante. An American in Paris, Sinfonia de Paris. A cidade idealizada pelos pintores. A França, onde as pessoas amam jazz. E Jacques Demy, que amava o musical. La La Land reproduz a estrutura de Os Guarda-Chuvas do Amor, Les Parapluies de Cherbourg, que ganhou a Palma de Ouro de 1964. O casal ama-se, mas, às vezes, para conseguir o que querem, as pessoas precisam se separar. A vida é imperfeita, a arte é perfeita, ou pode ser. E, por isso, o primeiro encontro de verdade de Emma e Gosling é encenado duas vezes. Como foi e como poderia, ou deveria ter sido, para que a história, quem sabe, fosse perfeita.

Em Whiplash, seu longa anterior, já havia essa busca do artista pela perfeição. Chazelle, como bom americano, acredita na segunda chance. Ele reescreve a frase famosa de Demy (e Michel Legrand, seu compositor). Je vous attendrai toujours, Vou te esperar para sempre. A tragédia de Nino Castelnuovo, na obra-prima de Demy, é que Catherine Deneuve, ao contrário da promessa, não o espera. A frase agora é - Vou te amar para sempre, e é verdade. Um sorriso, um gesto quase furtivo, compensam o que a vida dá, e tira. La La Land pode até nem ser o melhor filme desta edição do Oscar. Os demais concorrentes principais - Manchester à Beira-Mar, Moonlight - ainda nem estrearam para que o cinéfilo possa compará-los. Mas La La Land beneficia-se de um fato, uma verdade básica. A Academia ama os musicais.

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E o filme é lindo. Emma Stone é uma graça. Como aspirante a atriz, ela participa, dentro do filme, de vários testes. Muitas vezes, a câmera fica parada em seu rosto para mostrar o que ela tenta passar em sua interpretação, e depois a decepção, porque durante boa parte do filme os diretores de elenco não estão nem aí para ela. Emma interpreta. E canta, e dança. Ryan Gosling, ele, é um deus. Gosling virou cult em Drive, de Nicolas Winding Refn. É charmoso, é viril. Vive dividido - tradição e modernidade. Leva a mocinha para ver Juventude Transviada, o clássico de Nicholas Ray. E depois a leva ao planetário de verdade, onde James Dean, Natalie Wood e Sal Mineo sonham com esse lugar perfeito em que poderão viver com suas imperfeições. Gosling é moderno, mas tem a aura dos astros do passado. Você não precisa saber de nada disso para amar La La Land. Mas está tudo no filme. O mais demyniano que Demy não realizou.

Musical vai abrir novo noitão do Espaço Augusta

O musical de Damien Chazelle, além das sessões em pré-estreia, poderá ser visto também na abertura de um novo projeto do Espaço Itaú Augusta - a partir de sexta-feira, 13, começará o Sexta Mais que Básica, maratona de filmes inéditos, shows, homenagens, encontros e workshops. Com início previsto para a meia-noite e ocupando toda a madrugada as três maiores salas do Espaço, o projeto acontecerá toda segunda sexta-feira do mês. Assim, La La Land abre as sessões da Sala 2, que terá, em seguida, o longa francês Na Vertical, de Alain Guiraudie.

Já a Sala 1 vai apresentar outras duas estreias: à meia-noite, o documentário Axé - Canto do Povo de um Lugar, de Chico Kertész, e, em seguida, Manchester à Beira-Mar, de Kenneth Lonergan, provável candidato a receber muitas indicações para o Oscar - especialmente para o ator Casey Affleck.

E a Sala 3 vai abrigar as homenagens. Primeiro para Andrea Tonacci, recentemente falecido, de quem vai ser exibido Bang Bang, filme de 1971. E, depois, Alma Corsária, um dos principais longas de Carlos Reichenbach, diretor que, além de amar o cinema, também amava as pessoas.

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