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Lena Chamamyan usa voz para promover diversidade

Exilada em Paris desde 2011, a cantora síria se transformou numa espécie de ponte entre o Ocidente e a memória de seu país

Por Jamil Chade
Atualização:

GENEBRA - Por cinco anos, o som que repercutiu pelo mundo a partir da Síria foi o das bombas. Mais de 230 mil mortos e 4 milhões de refugiados. Dezenas de artistas abandonaram o país e, hoje, uma delas – a cantora e compositora Lena Chamamyan – quer usar sua voz para convencer o mundo de que deve existir o espaço para diferenças. 

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Exilada em Paris desde 2011, quando a guerra civil ganhou contornos dramáticos, a artista de Damasco se transformou numa espécie de ponte entre o Ocidente e a memória de um país hoje destruído. 

Como uma voz das profundezas da cidade velha da capital síria, Lena foi amplamente premiada no mundo árabe antes da guerra. Agora, é justamente o conflito e sua fuga que levam o Ocidente a descobrir sua música.

Influências. É fascinada por jazz, música latina e batidas africanas Foto: HAMAD I MOHAMMED|REUTERS

 

Lena nasceu em 1980 na capital síria, onde seus pais ainda vivem. Numa cidade ainda cosmopolita, ela iniciou sua fascinação pela música cantando numa igreja cristã armênia, no centro de Damasco. Desde essa época, sua voz ganhou concursos e milhares de seguidores. Hoje, ela a usa como sinal de protesto contra uma guerra que está destruindo toda uma sociedade. Suas canções falam de injustiça, da relação entre pessoas e seus países e da necessidade de diálogo. 

Em Genebra, a cantora conversou com o Estado sobre política e música. Mas seu recado ressoa de forma incômoda ao restante do mundo. “A comunidade internacional poderia ter feito mais, mas não fizeram nada. Eles estavam apenas observando e apoiando a guerra, e o fato de não terem feito nada foi o suficiente para torná-los, de uma certa forma, responsáveis pelo que está acontecendo. Agora é tarde demais. Eles estavam dando armas para os dois lados e jamais deveriam fazer isso”, disse. Eis os principais trechos da entrevista: 

Como a senhora descreveria sua música? É um mix de várias coisas. Sou uma pessoa com diversas raízes. Sou armênia da parte do meu pai, síria e árabe da parte da minha mãe. Meu avô é libanês, e eu nasci e cresci em Damasco. Viajo muito e acredito que isso adiciona muito à minha personalidade, então, minha voz é um reflexo dessa jornada. Mas isso vai mudar com o tempo, com tudo o que está acontecendo na minha vida. Basicamente, posso dizer que sou uma mulher oriental com uma voz oriental. Estou aberta a outras culturas e é isso que faz com que a minha voz esteja aberta para outros tipos de músicas. Amo jazz. Comecei a cantar ópera e aprendi a usar as técnicas da música clássica para ir mais além com a minha voz. Também amo música latina, fado, amo dançar, amo ritmo e batidas africanas. Minha música é realmente uma mistura de todas essas influências.

O que gostaria de transmitir por meio de sua música? Depende do período que estou vivendo, porque, há cinco anos, não imaginava que estaria aqui hoje; naquela época, eu tinha uma mensagem diferente. Sempre quis que minha voz fosse uma ponte entre culturas. Não me vejo como uma pessoa que vem de uma só cultura, por isso, queria fazer essa ponte, talvez para tornar mais fácil para mim mesma entender certas coisas. Com a minha voz, gostaria de poder viver em um mundo onde não há fronteiras entre as pessoas, porque com toda a guerra, as feridas, a violência que estamos vivendo atualmente na minha pátria Síria, ou até mesmo em Paris e no resto do mundo, e como uma sobrevivente armênia, a terceira geração de sobreviventes, posso dizer que a história é cheia de dor por causa das fronteiras e da política. Por isso, se posso fazer as pessoas se unirem durante os shows ou por meio das artes, compartilhar um pouco de beleza, de paz, de amor, algumas lágrimas, um pouco de alegria, alguma esperança e alguma humanidade, sem pensar em fronteiras ou línguas, apenas sentimentos, essa seria a minha mensagem no momento.

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A senhora é capaz de ser criativa com toda a violência que está ocorrendo na Síria?  Antes de 2011, eu costumava cantar músicas mais tradicionais misturada com jazz. Eu era mais dependente; costumava ter músicos que trabalhavam comigo, cuidava da forma que as canções tomariam e dava minha opinião sobre tudo. Depois da guerra, fiquei sozinha. A Europa é realmente um lugar onde você sente solidão e, com a guerra, era ainda mais difícil porque você sente que perdeu tudo e que ninguém quer saber sobre sua opinião ou sobre seus sentimentos. A questão em jogo não é viver, mas sobreviver. No primeiro momento, eu me senti paralisada. Foi um momento muito difícil para mim em todos os sentidos. As pessoas me amavam e me apoiavam antes da guerra. Agora, tenho algo para retribuir a essas pessoas. Durante o conflito, os sírios realmente se envolveram na guerra, e os bombardeios e incêndios não foram a parte mais difícil. A parte mais difícil da guerra é a guerra fria entre as pessoas, o ódio e a violência, pessoas lutando contra a sua própria família por questões políticas. Então, o que eu queria dizer é que temos o direito de ser diferente, mas não temos o direito de matar uns aos outros apenas por sermos diferentes. Queria dizer essas palavras em voz alta, dizer que sou uma mulher que está vindo do Oriente e que agora vive no Ocidente como uma estranha em exílio. 

Qual foi o ponto de virada para a senhora?  Quando senti injustiça. Quando você sente que é injusto, você tem a opção de ser a vítima ou um sobrevivente. Decidi ser uma sobrevivente. Foi duro, mas senti que tinha que fazer isso por mim mesma para poder dizer às pessoas: você também consegue! Mas tinha que começar por mim, porque tenho vários amigos artistas que entram no Facebook e no Twitter para atualizar status e esquecem da sua arte. Eu não queria ser assim. Sempre quis cantar. Estudei economia e administração, e deixei tudo para me tornar cantora. Não quero que essa guerra tire isso de mim. 

Muitos artistas árabes têm permanecido em silêncio em relação às atrocidades do regime de Assad. Como a senhora se sente? Nessa pergunta, é melhor não dizer “o regime”. Quando você fala sobre um partido, as pessoas que apoiam o partido nunca vão ler o que está escrito, então, não quero fazer isso. Na verdade, entendo o porquê do silêncio de alguns durante esse período de violência na Síria. Eu mesma não quis tomar partido de nenhum lado político durante o conflito, mas tomei uma posição humana. Eu queria falar sobre o direito de viver, o direito de se expressar, de não ficar com medo. Entendo que as pessoas tenham pontos de vista diferentes, mas não entendo que aceitem a injustiça. Essa foi uma questão da qual eu tinha que falar, e escrevi várias canções sobre o tema. Essa foi a minha maneira de falar sobre o assunto, mas alguns artistas tiveram uma posição bem diferente da minha e fizeram coisas terríveis. Além de posarem com armas em algumas fotos, alguns deles enviaram convite aberto aos políticos para matarem outros sírios. Artistas não devem permanecer neutros, eles deveriam ser humanos. Você deve lembrar às pessoas sobre a justiça, sobre o amor e a luta pela boa causa. É nisso que acredito e foi o que fiz. Nos dois primeiros anos, as pessoas só queriam que eu dissesse algo político. Para elas, você é um artista e, por isso, deveria falar sobre política. Sou uma artista, não um político e não é meu trabalho falar sobre isso. Se os políticos não encontram soluções, como eu encontraria? Acredito que os políticos não estão fazendo um bom trabalho na Síria, caso contrário, eu não estaria aqui.

Quais são as lembranças que a senhora tem de quando era criança e ainda morava na sua cidade natal.  A velha Damasco. É o lugar que mais sinto falta. Até hoje, quando fecho os olhos, vejo imagens de Damasco. Quando sonho, sonho com Damasco. É muito forte em mim! Damasco é uma cidade que vive dentro de você. Você não pode simplesmente deixá-la.  

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