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Gal Costa, afinal que o dia dela chegou

Cantora tem os melhores álbuns relançados em caixa e prepara inédito

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Os fãs saudosos, que se ressentem da ausência de Gal Costa nos palcos e nos discos, podem festejar. A grande cantora está de volta. Alguns dos melhores álbuns de sua carreira e um CD duplo de faixas raras (reunidos na caixa Gal Total), além de um disco de inéditas de Caetano Veloso, com produção dele e Moreno Veloso, recolocam a musa tropicalista no cenário brasileiro. Nos últimos anos, o fã-clube de Gal se dividiu entre a adoração dos eternamente devotos e os céticos, que oscilam entre a aceitação e o desdém, e ela tem feito mais shows fora do País do que aqui.

 

 

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Seu álbum mais recente, Hoje, é de 2005, e como os anteriores na década não teve grande repercussão de público e crítica. Mas sua voz continua firme e penetrante, e ela, que completou 65 anos no dia 26 de setembro, está mais magra, animada e rejuvenescida, fala como se não sentisse tanto a passagem do tempo em certos aspectos. "Canto as músicas no mesmo tom em que gravei. Quando estava fazendo Hoje com César Camargo Mariano ele me dizia que minha voz parecia de uma menina", lembra a sorridente Maria da Graça.

 

Muitas estrelas da geração de Gal tem encontrado dificuldade em lidar com as mudanças de mercado, os esquemas de produção sem grandes luxos, decorrentes da crise das gravadoras e a decadência da venda de CDs. "Pra mim não é difícil alugar um estúdio e bancar um disco, existem várias formas. Durante alguns períodos da minha carreira houve uns hiatos. Quando fiz o Plural (1990) vinha de um tempo sem fazer nada, porque acho que isso é importante também. Você não tem de estar toda hora na mídia.

 

É que hoje, com essa coisa de internet, globalização, isso tudo, se você fica um mês sem aparecer neguinho acha que você acabou", diz. "Eu estava trabalhando fora do Brasil, recebi muitos convites e fiz tudo o que quis. Fiz aqui também alguns eventos fechados."

 

No Brasil ou no exterior, Gal acha que a situação realmente é difícil para quem não faz música ultracomercial. "Hoje quase não tem mais loja de discos, nem aqui nem em Nova York. As pessoas estão meio perdidas. Além de as gravadoras não terem dinheiro, não sabem pra onde vai o mercado fonográfico, e quando investem é em coisas descartáveis. Há milhares de cantoras, americanas inclusive, feitas para fazer sucesso. Mas a gente viveu a era do sonho, e isso meio que acabou. Você ter uma bagagem de vida, de experiência, você ver uma pessoa vir no palco fazer uma coisa e ela trazer uma história ali - isso é que falta."

 

 

Vergonha

 

 

Quanto às rádios, que "tocavam tudo" - incluindo vários lados B de seus LPs e compactos incluídos na caixa, como Presente Cotidiano (Luiz Melodia) e De Amor Eu Morrerei (Dominguinhos/Anastácia) -, ela acha hoje "uma vergonha". "Antes tocavam até cinco músicas de um LP. Fantasia (1981) teve quatro sucessos de rádio. Hoje você tem de pagar R$ 300 mil pra uma música ser executada cinco vezes por dia em cada rádio. É o que me dizem. Que é isso, gente? Isso é cultura."

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No Rio, há tempos ouvem-se rumores de que Gal havia recusado um convite de Chico Buarque para acompanhá-lo na turnê do CD Carioca e outro de João Gilberto para gravar um disco com ele. "Quem te falou essas coisas? Não sei de nada disso. Imagina se eu iria recusar convites de Chico e João, que eu amo", desconversa a cantora. Ela diz ainda que deseja um dia lançar em DVD o show Fa-tal, que foi gravado por Leon Hirszman. No mais, olhando no retrovisor, diz que se reconhece em todas as fases reunidas em Gal Total, sem arrependimento.

 

Um CD só com inéditas de Caetano

 

Gal Costa selou um impecável songbook de Dorival Caymmi, outro de Ary Barroso que dividiu opiniões, além de um álbum duplo ao vivo dedicado a Tom Jobim. Sugerida pelo repórter a gravar os baianos Assis Valente e Batatinha, ela diz que tinha pensado em mergulhar no cancioneiro de Valente. Mas nada mais natural e confortável que se dedique a cantar apenas Caetano Veloso, o autor de quem mais registrou canções e com quem mais tem afinidade. Gal concorre com Maria Bethânia nessa que é a mais intensa parceria entre cantora e compositor na história da música moderna brasileira, com uma infinidade de canções exclusivas e interpretações definitivas. "Caetano é quem melhor compõe pra mim e quem melhor me entende", diz Gal, que lançou o primeiro álbum em parceria com o conterrâneo, Domingo (1967), iniciou a carreira na Bahia e veio para São Paulo com ele, deflagrando o movimento tropicalista. Depois Caetano fez a direção musical do antológico Cantar (1974), mas antes já tinha dado sugestões para Índia (1973), que iria produzir. "Caetano já compôs seis canções e está fazendo o restante pra esse disco novo. Estive com Moreno na Bahia, pegamos as tonalidades, ficamos quatro horas juntos tocando violão e cantando. Que pessoa sensível e maravilhosa que ele é", diz a cantora. "O trabalho está bem no começo, então não tem muito o que falar." O CD sai pela Universal, sem previsão de data.

 

Sua Voz, Sua Vida, Da Maior Importância

 

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Todos os discos que Gal Costa lançou pela Philips, hoje Universal, já tinham saído em CD. Mas a remasterização dos álbuns de Gal Total ficou bem boa e os álbuns trazem as fichas técnicas e todas as letras impressas nos encartes. É um testamento da fase mais brilhante da carreira da cantora, incluindo álbuns da maior importância, como o primeiro-solo, Gal Costa, e o experimental e psicodélico Gal (ambos de 1969), Legal (1970), Cantar (1974), Gal Canta Caymmi (1976), Água Viva (1978), Gal Tropical (1979) e o registro do show histórico Fa-tal - Gal a Todo Vapor (1971), em que repertório e desempenho compensam a má qualidade técnica da gravação.

 

No começo Gal cantava baixinho, influência de João Gilberto sobre ela e Caetano Veloso, com quem dividiu o delicado LP Domingo (1967). No primeiro-solo já expandiu seu canto e se abriu para experimentações - a faixa de abertura é Não Identificado (de Caetano, como a linda Baby), com tecladinho jovem-guarda, sons "espaciais" e letra falando de disco voador, iê-iê-iê romântico e anti-computador. Ecos da bossa nova vinham acompanhados de samba-rock de Jorge Ben, rocks de Roberto e Erasmo Carlos, xaxado de Jackson do Pandeiro com acento roqueiro, Tom Zé... Uau!

 

Atenta e forte, nos álbuns seguintes, Gal cresceu espontânea em gritos de protesto, aliada à força tropicalista de Rogério Duprat, Jards Macalé e Lanny Gordin num momento crucial da repressão política no Brasil, em que ela foi porta-voz dos exilados Caetano e Gilberto Gil, gravando clássicos deles. No primeiro LP ela já tinha trilhado esse caminho, registrando a emblemática Divino, Maravilhoso, da dupla.

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A ousadia prosseguiu nas facetas expostas em Fa-Tal - show dirigido por Waly Salomão, com mais interpretações antológicas de obras-primas de Luiz Gonzaga, Ismael Silva, Caetano, Macalé, Luiz Melodia, Geraldo Pereira, Novos Baianos, Roberto e Erasmo... - e Índia (1973), que teve a capa censurada por exibir partes íntimas da cantora.

 

Maturidade

 

Gal Canta Caymmi é uma obra-prima, que sai com outra (bonita) capa, porque o autor da arte original não se entendeu com a gravadora. Em compensação, os toques de atabaques, que foram cortados nas reedições anteriores em CD, estão de volta, como no original. Puxado por Tigresa (Caetano), Caras & Bocas é um sofisticado álbum de transição e tem Marina Lima, Jorge Ben e Rita Lee inéditos e exclusivos.

 

Em Cantar predomina a musicalidade prazerosa de João Donato. Se em Água Viva (que inclui a comovente Mãe, de Caetano) ela sugeriu a sessão de fotos emergindo da água simbolizando um renascimento, é em Gal Tropical que a cantora madura desabrocha. Fantasia (1981), com as antológicas Faltando Um Pedaço (Djavan) e Festa do Interior (Moraes Moreira/Abel Silva) é a consagração da senhora Gal Costa, que prosseguiria no mesmo tom eclético em Minha Voz (1982) e no pop Baby Gal (1983) que fecha o box.

 

A compilação em CD duplo, Divina, Maravilhosa, ao contrário do que diz o texto de Marcelo Fróes, coordenador do projeto, tem uma minoria de faixas inéditas em CD. Mas tudo bem, tá valendo. Um dos destaques é a versão funk e rara de Clariô (Péricles Cavalcanti), mais dançante que a do álbum Caras e Bocas. Como curiosidade há três canções de Gilberto Gil para o filme Brasil Ano 2000, de Walter Lima Jr., e faixas extraídas de discos de festivais, ao vivo, coletâneas carnavalescas e outros de Sidney Miller, Torquato Neto, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso e Maria Bethânia, além de compactos. Entre eles o duplo que incluía Você Não Entende Nada (Caetano Veloso) e a versão original de Vapor Barato (Jards Macalé/Waly Salomão). Essa Gal é que rima bem com legal, fatal, tropical, plural, carnaval, atemporal, barato total.

 

Gal TotalCaixa com 17 CDs de Gal Costa, de 1967 a 1983. Gravadora: Universal. Preço médio: R$ 290

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