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Folk paulista ganha nova cena em São Paulo

Projeto Caravana Folk, com Nô Stopa, Wilson Teixeira, Renato Godá e Folk na Kombi, é realizado aos domingos, no Bar Piratininga

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Há uma terceira via criada por violas e violões, camisas quadriculadas, chapéus, botas e um bucolismo sem maiores pretensões. Uma estrada que corta a fronteira do interior com as capitais, metade de terra, metade de asfalto. O folk, o que os anos 1970 de Zé Geraldo, Sá, Rodrix & Guarabyra preferiam chamar de rock rural, é redesenhado sobretudo em São Paulo por uma cena particular, com uma forma de expressão que pode trair as aparências e subverter as conclusões. É da roça, mas não é caipira; está no centro, mas não é sertanejo romântico. Nem Tião Carreiro nem Zezé Di Camargo.

Nô Stopa (à frente) com Jonavo, Renato Godá, Felipe Camara, Wilson Teixeira e Bezão Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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A fonte direta mais próxima poderiam ser os grupos de folk indie inglês surgidos nesta década, jovens de pés vermelhos e vozes quentes que semearam o Mumford and Sons como árvore mais sólida – uma força magnética impressionante, emulada por garotos de vinte e poucos anos que fizeram 75 mil pessoas que foram ao Lollapalooza cantarem quase todas as músicas de seus três álbuns. Um hard folk trabalhado nos detalhes, mas até mais pesado daquilo que fazem os folkistas de São Paulo.

O Folk na Kombi é uma das nuances nesse território de horizonte largo e a origem de seus três integrantes do front é urbana até a página dois. Bezão, que antes cantava no Roça Nova, fez sua formação entre Santos e São Paulo. Jonavo, de Campo Grande (MS), trouxe a carga genética no violão e no bandolim. E Felipe Camara, do Rio, veio com o vocal mais empostado do pop rock de suas origens. “Eu nunca gostei de tocar guitarra.” De uma forma ou de outra, todos se sentiam deslocados no que faziam até entrarem em uma Kombi vermelha e branca, ano 1982.

O carro do pai de Felipe virou cenário e causa. A simples imagem da Kombi deu ao grupo uma liberdade setentista e o baterista, o único a tocar dentro do carro, ganhou um palco. A banda fez um DVD antes mesmo de lançar um CD, tamanho seu apelo visual. Sua música é um flagrante mais evidente do pop rural, equilibrado entre dois mundos. Uma boa oportunidade para vê-los em ação será dia 30 próximo, às 21h30, no Bourbon Street.

O violeiro Wilson Teixeira, de Avaré, interior de São Paulo, tem uma personalidade musical forte e bem-resolvida no melhor sentido da nomenclatura folk. Sua música tem doçura sem simplismos na forma e parece se comunicar não apenas com o homem do campo, mas com o campo que pode existir em qualquer homem. Seus dois discos, em 15 anos de carreira, são promissores nessa linguagem, Almanaque Rural, de 2007, e Casa Aberta, de 2015, esse ainda mais contaminado pelo folk. Ele também sentiu o efeito colateral de outros personagens da cena. “Eu não sabia se os tradicionais iriam gostar do tipo de música que eu faço com a viola.”Os tradicionais poderiam jogá-lo na prateleira dos modernos e os modernos, o devolver aos tradicionais. Não foi o que ocorreu. “Quando o disco saiu, as respostas foram ótimas.”

O maior dogma das músicas de origem no campo talvez more dentro de uma viola. Mesmo o acordeom se libertou da imagem de porta-voz exclusivo do baião por sua presença em tradições francesas, árabes, africanas e de outras partes do próprio País. Apesar de dar passos importantes em projetos vitoriosos como o Moda de Rock, de Ricardo Vignini e Zé Helder, que só não são folk por serem roqueiros demais, a viola segue acorrentada à ideia de um sertanismo primitivo. “A viola não precisa ser apenas caipira”, diz Wilson Teixeira. Seu folk, por trazer um cheiro de terra mais forte, talvez seja também sua expressão mais original. Sua próxima apresentação em São Paulo vai ser no dia 27, às 11h, de graça, no Museu da Casa Brasileira.

A cantora Nô Stopa poderia estar ou não estar na turma. Seu disco mais recente, o viciante Manifesto Poesia, de 2015, não tem as marcas mais fortes dos bandolins ou das cordas de aço, mas flutua sobre uma sensação de leveza que nasce nas melhores canções folk. Filha de Zé Geraldo, o homem que previu tudo nos anos 1970, quando ninguém entendia bem o que ele queria dizer e que deve sorrir hoje ao saber de uma “nova cena folk em São Paulo”, Nô não empunha a forma, mas carrega a intenção. Sua voz é pequena, delicada e passeia sempre sorrindo. Um violão em suas mãos e o folk estará sempre lá.

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A agenda de Nô mostra um arco de atuação mais aberto. Em abril, dia 8, ela se apresenta com o Teatro Mágico em Belo Horizonte. Dias 10 e 12 também de abril, estará na mesma cidade, no Sesc Palladium, com a Banda Mirim. E, dia 13 de maio, interfere com seu Manifesto Poesia no show do Teatro Mágico, em São Paulo, no Espaço das Américas.

Outra figura de discurso forte e autoral é Renato Godá. Com mais estrada, faz um folk com menos sol e mais névoa quando surgem associações de timbres entre ele, Serge Gainsbourg e Leonard Cohen. Nada mal. Godá tem estrela sobre um palco e inverte suas limitações de alcance para criar um despojamento no discurso. O rock e o folk que faz o aceitam de braços abertos. Menino que era aluno disléxico, de aprendizado difícil, seria a “criança descartável” se não fosse sua descoberta de autores como Charles Bukowski. “Eu lia e queria levar a vida desses caras, queria conhecer os esquisitos.” Seu primeiro refúgio foi o teatro e, de lá, a música. “Como ator, eu era um grande canastrão.” Seus dois discos lançados e a atual condição de artista independente garantem a ele um luxo: “Eu só faço a música que me dá vontade”. O quartel general dos folks paulistas é o Bar Piratininga, na Vila Madalena, em São Paulo. Todos os domingos, entre 18h e 23h, eles se juntam para cantar e tocar violões sem maiores pretensões. Assim nascem músicas, amizades e, por acaso, uma cena rica de verdades.

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