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Em novo disco, cantor e compositor Maurício Pereira se embrenha por vários gêneros

‘Pra Onde Eu Tava Indo’ faz trovoar, chover e aflorar lágrimas e canções inspiradas

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Seja na tradição, num foguete amoroso voltado pra Marte ou num turbilhão de ritmos, a música de Maurício Pereira sempre trovoa com mergulhos na surpresa. Seu novo álbum, Pra Onde Eu Tava Indo (independente com distribuição da Tratore), bota mais energia na mente, com um bom bocado de novas parcerias (com Lincoln Antônio, Luís Felipe Gama, Chico Lobo), além de Tonho Penhasco – antigo colaborador, guitarrista, diretor musical e coprodutor do disco com ele e Eduardo Marson –, criações solitárias e reinterpretações de clássicos dos cariocas Nelson Cavaquinho (Notícia, parceria com Alcides Caminha e Nourival Bahia) e Jorge Mautner (Aeroplanos, com Rodolfo Grani Jr.) e do italiano Luigi Tenco (Ciao, Amore, Ciao). Nesta sexta-feira, 23, ele faz show no Sesc Pompeia com o repertório desse disco, mais canções de outros e participações significativas das cantoras Ná Ozzetti e Juçara Marçal.

São três fortes representantes da música feita em São Paulo, conscientes do tamanho artístico que têm, do lugar e da dimensão em que podem se expandir, mas que ultrapassam qualquer fronteira territorial, sonora, de sotaque ou de linguagem. Pode não ser tão popular, mas é sucesso no sentido da realização sem compromisso com mercado e a fama das celebridades efêmeras. E gratificante para quem se propõe a ouvir música como arte. “Eu tenho as coisas muito enevoadas na cabeça e Tonho é um cara que tem muita paciência, muita conexão comigo e capacidade de traduzir de alguém que está do lado dele (como fez com Itamar Assumpção) pra frases, riffs, caminhos”, diz Pereira, um compositor “sem gênero definido”, sobre o lento processo de gravar o disco ao longo de dois anos.

Mauricio Pereira recebe Ná Ozzetti e Juçara Marçal em show no Sesc Pompeia Foto: Gal Oppido

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O título do álbum induz a uma reflexão sobre questões de tempo, valor artístico e relação com a velocidade e o excesso de informação. O equilíbrio está na busca do essencial, seja na sonoridade com sinais de atemporalidade, seja pensando no disco como um conceito, embora prime pela diversidade – tem desde samba até a levada oriental de Três Homens, Três Celulares, mas não para audição aleatória, o que é mais comum na era do MP3 –, e nos temas atuais e permanentes de letras profundas, ao mesmo tempo mais leves do que em Pra Marte (2007), por exemplo. Foi naquele álbum que ele registrou a clássica Trovoa, que Juçara trouxe para outra geração de ouvintes ao regravá-la com o Metá Metá e vai cantar com ele no show.

Curiosamente, à primeira audição, Não Adianta Tentar Segurar o Choro (dele e do pianista Lincoln Antônio, gravada antes por Juliana Amaral) parece pedir a interpretação sensível de Ná, que vai dar seu toque nela na apresentação de hoje. Essa é uma das composições que ele diz ter feito com soluções “muito simples de compositor popular vagabundo”, nesse hiato de tempo em que ficou sem lançar discos autorais.

“As coisas coincidem com o fato de você estar eufórico ou depressivo. Então, nada difere da população inteira. Sou um tipo mais introvertido, então quando fico pra dentro, a tristeza, a angústia e a solidão afloram muito. Quando dá sorte, faço uma canção. No caso de Não Adianta Tentar Segurar o Choro, expressou um momento de lidar com esses sentimentos que vêm nos momentos de baixa e deixar eles virem. Acho que tem a ver com o fato de ficar mais velho (ele tem 55 anos de idade e ‘30 de estrada’) e também do meu envolvimento com a psicanálise nos últimos anos”, diz Pereira.

A letra de Pra Onde Que Eu Tava Indo ele fez de encomenda para o parceiro Chico Lobo. “Foi também num momento de reflexão, me perguntando pra onde que eu vou. Fiz meu trabalho com Os Mulheres Negras (dupla antológica que formou com André Abujamra na virada da década de 1980 para a de 90), tenho meu trabalho autoral, não vou ser um sucesso de vendas, não gosto de ser uma caricatura de mim mesmo. Não quero rótulo nenhum, nem de paulistano.” A música fala de um dilema típico, “básico, filosófico”, do século 21: pra onde se vai, pra que precisa decidir pra onde ir, de onde viemos? “Aí acho que a psicanálise ajuda”, lembra Pereira. “Não tem que definir. O importante é sobreviver na correnteza. Preciso saber nadar. Preciso saber onde está o Norte, algum eu tenho de ter. Isso não quer dizer que não vá me deixar levar por correntezas maiores do que eu.”

Abrir e fechar o álbum com compositores de históricos dramáticos (Nelson Cavaquinho e Luigi Tenco) é simbólico. “Do Nelson fui buscar a intensidade do sentimento bruto, que fala da traição de um amigo. Ele menos é mais. Ciao Amore é tão conhecida quanto injustiçada. É sobre um cara que acorda e olha pra frente, dizendo que tem de seguir adiante. Não dá pra aguentar o status quo, a caretice, a burrice, a infelicidade. Ciao em italiano é adeus, mas também é oi.” Então, mesmo sem saber pra onde tava indo, vai. “Colocar esses dois, um no início e outro no fim do disco, é como dizer que tem coisas, artistas e canções mais importantes do que estou fazendo.”

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