Ed Motta se assume como compositor no novo disco 'Perpetual Gateways'

Pela primeira vez na carreira, Ed recebeu colocar a mão na massa das composições – e as fez todas em inglês

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Aos 17 anos, Ed Motta cantava Manuel, ao lado da banda Conexão Japeri, e isso não incomodava ninguém – nem a ele, nem ao público. Quando despontou, o jovem então lembrado pelo tio famoso, Tim Maia, se sentia bem ao circular por um ambiente de pessoas mais velhas. “Era quando eu ficava à vontade”, recorda ele, hoje aos 44 anos. “De alguma forma, isso sempre fez parte da minha personalidade. Meu universo, minhas amizades, sempre foram formados por pessoas com muito mais idade do que eu.” 

Como uma espécie de versão tupiniquim do personagem Benjamin Button, criado em um conto por F. Scott Fitzgerald, levado aos cinemas e interpretado por Brad Pitt, Ed brinca que nasceu já com 50 anos de idade. Na literatura, Button nasce “velho” e sua idade vai retrocedendo com o passar dos anos. Metaforicamente, Ed Motta também. Nas mais recentes turnês pela Europa, com o então disco AOR, lançado pelo selo alemão Membran (aqui colocado nas lojas pela Lab344), o músico se viu rodeado de pessoas mais jovens que ele, pela primeira vez em muito tempo. “A minha banda, gente que trabalha comigo na estrada, eles são mais novos. E isso é muito curioso, porque meu interesse costumeiramente foi com uma geração anterior à minha.” 

Ed Motta Foto: MARCOS ARCOVERDE|ESTADÃO

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Essa espécie de reconstrução social, por assim dizer, caminha diretamente em paralelo com uma transformação artística. O disco AOR, de 2013, foi o começo dessa caminhada. O desbravamento mais aprofundado do mercado europeu e norte-americano teve início ali. E volta a acontecer com Perpetual Gateways, segundo trabalho pelo selo alemão, novamente trazido pela gravadora carioca. 

O disco, o décimo segundo da carreira de Ed, marca um artista que assume, pela primeira vez, a sua versão de compositor das letras de suas músicas. Autor dos temas, arranjos e das músicas, Ed costumeiramente teve ao seu lado parceiros para ajudá-lo ou criar aquilo que ele chama de “parte formal da música.” “É curioso, mas acho que a minha música, e não só a minha, como a de 95% dos compositores, ela vem sempre primeiro. O texto, a letra, chega depois”, ele diz. “A música tem algo que é abstrato, que fica voando, não dá para se tocar. São sensações.” 

Pela primeira vez na carreira, Ed recebeu colocar a mão na massa das composições – e as fez todas em inglês. “Eu, muito contraditoriamente, sempre critiquei a importância dada às letras na minha própria obra. Sempre as vi como algo menor, não tão importante. O meu trabalho tinha uma força, uma imaginação, nos arranjos, que ficavam acima da questão do que o texto dizia”, analisa. “Agora, estou pagando a minha língua”, ri. Ed se vê, agora, respondendo sobre o que suas próprias letras queriam dizer. “Eu brinco comigo mesmo. ‘Ah, agora você quer falar disso porque você mesmo quem fez, né?’” 

O exercício de escrever uma música veio diretamente influenciado pelos textos que mais chamavam a sua atenção. E não estavam nas músicas. “Curiosamente tenho uma coleção enorme de discos. Álbuns de tempos diferentes. Mas sempre costumei prestar mais atenção aos textos de um roteiro de filme ou seriado. E o que eu fiz, em termos de texto para as canções desse discos, está muito mais relacionado a essa ideia de um roteiro, uma cena, do que a poesia em si”, explica. “Para mim, é muito mais interessante poder contar essas pequenas historinhas do que fazer algo subjetivo ou abstrato com os versos.” 

E assim Perpetual Gateways segue. Através de pequenos causos, histórias por ora curiosas, outras vezes engraçadas, pouco trágicas. A começar por Capitain’s Refusal, cuja mini-trama acompanha um capitão e sua tripulação que planejam afundar propositalmente um navio para garantir a alta cifra do seguro – e, enquanto isso, a banda e voz de Ed caminham por um jazz ritmado como se estivesse à bordo da embarcação. 

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São pequenos pedaços de ideias ou convicções de Ed que estão nessas canções. De situações curiosas, como a citada acima, ou até mesmo de reflexões sobre a vida cotidiana. Pensamentos tão contemporâneos como, veja só, a irritação que o músico tem dos toques de celular, com mensagens e ligações. “Tem uma ligação aí para você. Você não consegue ouvir? Isso me enoja”, diz ele, na faixa que encerra o disco, Overblown Overweight. A canção, aliás, foi a primeira escrita por Ed para Perpetual Gateways. 

“Pela primeira vez, consegui falar de assuntos que eu gostaria”, ele avalia. Há poucas canções de amor – na verdade, a mais evidente a sobrevoar o tema é Forgotten Nickname. “Isso não que dizer que eu não acredite no amor”, explica. “Sou casado há 26 anos.” E continua: “Mas acho interessante trazer alguns temas do dia a dia, com certa ironia. Afinal, o som do celular irrita qualquer um, não?” 

A cena do gênero que germina forte na Califórnia, nos Estados Unidos, tão aclamada em discos de artistas como o rapper Kendrick Lamar e do saxofonista Kamasi Washington, ambos selecionados em diferentes publicações para lista dos melhores de 2015, ecoa em Perpetual Gateways. Kamau Kenyatta, produtor, multi-instrumentista, entrou em contato com Ed através do MySpace, rede social de música que teve seu auge em meados dos anos 2000. Conversaram sobre a ideia de fazerem um disco juntos. Em 2015, surgiu a chance de fazer Perpetual Gateways. O álbum foi gravado em Pasadena, na Califórnia, com produção de Kamau. O norte-americano que auxiliou Ed na busca pela banda que entraria em estúdio para o processo rápido de gravação. Reuniu um time que inclui nomes como Greg Phillinganes (piano e rhodes), Marvin Smitty Smith (bateria), Cecil McBee Jr (baixo), Rickey Woodart (sax tenor) e Curtis Taylor (trompete). Em três dias, o álbum estava gravado. Ao todo, com mixagem e masterização, o disco levou um mês para ficar pronto. 

O disco que tem DNA gringo, saltando diretamente para o universo do jazz. Manuel e o Ed de 17 anos ficaram para trás. Ele, agora, é o mais velho no ônibus de turnê. Ele aceitou. E o público, espera Ed, também. “Qualquer deslize no mundo digital é uma sentença eterna”, ele diz, sobre a polêmica de 2015. “O mundo, quando eu conheci, perdoava o erro dos outros. O perdão era uma coisa aplicada naturalmente. Agora, existe um sentimento de vingança.” 

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