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Diana Krall renova seu vínculo com a bossa nova

Prestes a trazer seu disco 'brasileiro' a SP, estrela recusa o título e diz 'não sou uma popstar do piano'

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

A cantora, compositora e pianista canadense Diana Krall desembarca no Brasil nos próximos dias a bordo de seu 12.º disco, Quiet Nights, sua leitura muito pessoal da bossa nova, que é também o primeiro trabalho em oito anos que ela faz ao lado do lendário arranjador Claus Ogerman (que trabalhou com Frank Sinatra e Tom Jobim). Diana tivera a colaboração de Ogerman em Live in Paris, aclamado disco de 2002, e The Look of Love, de 2001. Diana canta em São Paulo, no HSBC, nos dias 13 e 14 (no dia 18, estará no Teatro Oi, em Brasília, e dia 20, no Oi do Rio).

 

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Mãe de gêmeos, casada com o cantor inglês Elvis Costello, ex-punk convertido ao swing, Diana faz 46 anos em novembro. Ganhadora do Grammy de melhor cantora em 1999 ela diz que é antiperfeccionista. "Acho que timing é tudo. Em geral, não ensaio. No estúdio, faço apenas três takes de cada música", conta. "A coisa mais importante é a emoção, o groove. É a chave." Ela, que é talvez um dos mais festejados nomes femininos do jazz desde Sarah Vaughan, falou ao Estado por telefone.

 

Você fez uma apresentação para 35 mil pessoas no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, em 2004. Não é muito comum um artista do jazz reunir 35 mil pessoas para ouvi-lo ao piano...

De fato, não é comum. Aquilo foi inacreditável. Foi de manhã, todas aquelas pessoas lá tão cedo. Espero que as pessoas continuem ouvindo assim o jazz, isso será muito bom.

 

Seu nome no jazz moderno já é de um pop star. Reúne milhares aonde quer que vá. Como artista, considera isso uma bênção ou uma maldição?

Uma bênção, é claro! Eu considero isso uma bênção, poder chamar a atenção de tantas pessoas. Mas não sou tão popular assim. Sou um meio-termo, vamos dizer assim. Eu posso andar pela rua sem ser incomodada, posso ir ao shopping, posso usar camiseta em qualquer lugar, levar meus filhos ao parque. Tenho uma vida comum adorável com meu marido. Sou feliz de viver isso. Não é que não me importe em ser reconhecida, gosto de sê-lo.

 

Uma colega sua, Cassandra Wilson, disse certa vez que a bossa nova já é parte do jazz americano, foi absorvida, é parte da essência do jazz. Concorda com isso?

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Concordo totalmente. Eu aprendi sobre a bossa nova ao mesmo tempo em que aprendi sobre Charlie Parker, John Coltrane. Os primeiros discos que ouvi de bossa nova foram muito importantes na minha formação, assim como a música brasileira. Ouvi Sergio Mendes e seu Brasil 66, João Gilberto, Stan Getz. Eu aprendi canções de bossa nova antes de ouvi-las, na escola de música. É parte da linguagem. Não é possível ser um jazzista sem conhecer a bossa nova. É difícil explicar para alguém como você, que é do Brasil, que está familiarizado com a cadência dessa música, a influência que tem aqui, mas é uma música que se mundializou. Eu tenho as antologias todas, tenho Tom Jobim, e os songbooks, porque é importante.

 

Você voltou a trabalhar com o arranjador Claus Ogerman, que ajudou a imprimir o som internacional da bossa nova em seus trabalhos com Tom Jobim. Em sua opinião, qual foi a grande contribuição de Ogerman à linguagem da bossa nova?

Todo mundo me pergunta como foi trabalhar com ele e, francamente, estar ao lado de Ogerman é estar intimamente ligada àquela música de Jobim e Sinatra, é algo mágico. Acho que ele é o arranjador definitivo. Não muda uma nota do que faço, mas o resultado é perfeito.

 

Uma das coisas que Ogerman diz é que ele não busca um tipo de modernismo em seu trabalho, mas sim as emoções do ouvinte.

É o que tento fazer. Trabalho com gente às quais não preciso dizer como tocar, que tipo de toque eu quero, elas já sabem. Coletivamente, o que vejo de comum é que nós procuramos o groove, a emoção, o sentimento, o suingue. Essa é a chave. Seja na bossa nova, no jazz, no blues, em qualquer coisa. Eu ouvi João Gilberto no Carnegie Hall, sozinho com o violão, e aquilo era tão bonito, tão completo.

 

Ele é um perfeccionista, toca milhares de vezes uma nota para chegar ao seu som. Você também é perfeccionista assim?

Não. Eu geralmente não ensaio muito. Também não verbalizo muito, não comunico muito. Busco mais o timing e o feeling. Não faço mais do que três ou quatro takes em estúdio. Sou uma improvisadora, essencialmente. Perde-se a essência, a naturalidade, com muita teorização.

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Você gravou uma canção de Tom Jobim em português, Este Seu Olhar.

Eu costumava cantar essa música na minha cozinha. Quando a gente não conhece uma língua, busca um feeling similar, cantarola. Às vezes, só o som é similar, como quando eu canto "chegadesaudadelalalá". Eu quis registrar essa vontade de encontrar o sentimento da música, mas peço desculpas a vocês pela ousadia, não falo nada de português.J

 

 

Diana Krall cortou como um raio o céu do mundo do jazz vocal em 1999, quando lançou o disco When I Look in Your Eyes, orquestrado por Johnny Mandel. Numa época de predomínio do abuso do scat, de cantoras barulhentas, ela propunha uma abordagem cool, quase minimalista do gênero. Dois anos mais tarde, chegou ao definitivo estrelato já com um toque de gênio na escolha dos arranjos: lançou The Look of Love, orquestrado por Claus Ogerman, o alemão que deu um toque internacional à bossa nova e produziu os clássicos discos The Bill Evans Trio With Symphony Orchestra, Francis Albert Sinatra and Antonio Carlos Jobim e o paradigmático Amoroso, disco de 1970 com o qual João Gilberto ancorou seu domínio no jazz americano.

 

The Look of Love vendeu 1,6 milhão de cópias nos Estados Unidos na época, e outra grande quantidade no resto do mundo. Desde então, ela já fez 11 discos.

 

Agora, com o álbum Quiet Nights, lançado no ano passado, Diana volta àquele insight inicial, buscando renovar seu vínculo com a bossa. Recorre de novo ao mago Claus Ogerman, agora octogenário, e chega ao ponto de cantar música de Tom Jobim em português. Ao lado de um quarteto (Anthony Wilson na guitarra, John Clayton no baixo, o baterista Jeff Hamilton e mais o percussionista brasileiro Paulinho Da Costa), além da orquestra regida por Ogerman, ela definiu Quiet Nights como "uma carta de amor para meu marido", o cantor Elvis Costello, com quem se casou em 2003.

 

Ao lado de versões de clássicos da bossa, como The Boy from Ipanema, ela empunha standards do jazz, como Everytime We Say Goodbye (Cole Porter), e antenas pop, como Walk on By (Burt Bacharach) e How Can You Mend a Broken Heart (Bee Gees). O piano de Diana é dedilhado com sonolência quase "ipanemística" em So Nice, e ela arrasta a voz de um jeito "smoky" em Quiet Nights (Corcovado), o que confere um ar de música ambiente ao disco - embora ela nunca se deixe enredar em facilidades. E, de qualquer modo, a associação de bossa com muzak não é uma invenção de Diana Krall. Mas, no disco, às vezes essa busca obsessiva pela suavidade da bossa pode parecer maçante, no entanto.

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Na linha das cantoras que se autoacompanham ao piano, sua técnica é respeitabilíssima (seu mentor no estilo foi Jimmy Rowles, que acompanhou Billie Holiday). Parece bastante inspirada por Shirley Horn e Carmen McRae. "Mas a ilusão, quando se desfaz, dói no coração", canta Diana em Este Seu Olhar, com um agradabilíssimo português de viagem. Diana brinca, mas compreende muito bem o universo musical em que se meteu.

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