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Depois de vencer grupos vocais nos EUA, Sambaranda lança disco no Brasil

Sexteto idealizado por Rafael Carneiro, o primeiro grupo brasileiro a ganhar o prêmio CARA, mostra talento em 'Delírios - Volume 1'

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Por Julio Maria
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Aquele eterno dura segundos e nem quem está nele o descreve com precisão. Os sons que antes saíam organizados para se encontrar com outros, de repente, se entrelaçam e criam um ser de vontades próprias, para além das intenções até de quem os produz. Depois de flanar pela plateia ele volta mais forte e eleva os pés dos músicos a dois palmos do chão em uma fração de tempo aberta em algum momento das duas horas de show. Alguns músicos passam suas existência sem conhecer o portal que não se abre apenas com virtuosismo. Outros vão dedicar suas vidas a buscar a eternidade dos poucos segundos que um dia mudou tudo.

Seis 'instrumentos':Diego de Jesus, Fredson Torres, Penelope Celano, Nani Valente, Rafael Carneiro e Cristiano Santos Foto: Patricia Cruz / Estadão

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Se tivesse a razão dos estrategistas, o cantor Rafael Carneiro teria desistido antes mesmo de tentar. Sua música era diagnosticada com poucas chances de sobrevivência ainda na gestação. Um grupo vocal de música brasileira seria uma vida de abnegação dentro de todas as abnegações da vida de qualquer músico. A vontade veio enquanto vivia na Irlanda com a mulher também cantora Nani Valente, em 2011. Não um grupo de vozes bem divididas acompanhadas por instrumentos, nos moldes dos Cariocas ou do MPB 4, mas um formato em que as vozes seriam o que elas nunca deveriam deixar de ser, instrumentos musicais, as únicas fontes ali de harmonia, ritmo e melodia. Rafael seguiu em frente.

A saudade do Brasil foi seu primeiro impulso. “Fiz então, ainda morando na Irlanda, todos os arranjos pensando em gravar as vozes sobrepostas, mas Nani achou melhor termos um grupo”. A primeira cantora, Bia, foi encontrada no Brasil três anos depois. Um vídeo foi gravado e mais interessados apareceram. Cristiano e Diego de Jesus, que tinham um duo, entraram depois. Bia saiu e Penélope Celano entrou depois de assistir a outro vídeo, em 2015. Ao final de chegadas e desistências, os combatentes ficaram então em seis: Nani Valente, Penélope, Fredson Torres, Cristiano Santos, Diego de Jesus e Rafael. O nome do grupo: Sambaranda.

O primeiro disco, gravado ainda em septeto, tem o nome de Delírios Volume 1. Há um esmero nos arranjos, escritos por Rafael, que faz coelhos pularem da cartola a todo instante. Wave, mesmo assumindo riscos de quem revê o que não parece mais poder ser revisto, tem vozes abertas com inspiração e ganha frescor com os caminhos que escolhe. Delírio Carioca, de Guinga e Aldir Blanc, mostra a força dos baixos. E parte de seu nome é o que batiza o disco. “A outra parte é a ideia do delírio mesmo, do delírio coletivo de fazermos este grupo, do delírio que parece ser querer viver de música em nosso País”, diz. O repertório segue ainda com músicas como Doce Ilusão, Água de Beber, Vilarejo, Lamento Sertanejo, Capim.

Um feito em 2017 chegou a assustar. Os integrantes enviaram o disco para concorrer ao prêmio internacional CARA, (Contemporary A Cappella Recording Awards 2017), promovido nos Estados Unidos. Vencer era uma hipótese remota. Nunca um grupo brasileiro havia conquistado o primeiro lugar na terra dos maiores grupos vocais surgidos sobretudo da tradição da música gospel. Mas eles venceram e, espantosamente, na categoria Melhor Álbum de Jazz. “Há uma discussão do que é jazz”, pensa Carneiro. “Uns dizem que está no improviso, outros que se trata de uma linguagem. Eu acredito que o conceito se estenda para propostas musicais que também são influenciadas por ele.” Seja como for, o som do Sambaranda entrou nos EUA pela porta principal.

Enquanto isso, a realidade de uma frequência de shows no Brasil é um desafio. Mesmo as casas conhecidas do circuito de música instrumental e jazz mostram resistência. “Há uma dificuldade mesmo do entendimento. As pessoas perguntam se somos um coral, se somos um grupo de jazz mas que também canta samba. Mesmo com a indicação de amigos, não conseguimos ainda fechar shows por aqui.” Por isso, não há previsão de lançamento do disco em São Paulo. E contudo, o que faz o grupo se manter na ativa? “Há nesta história um amor maior do que tudo”, diz Rafael. “Mesmo quando caímos, não caímos até o chão. É o prazer daquele momento que nos faz seguir em frente. Quando sentimos a energia que sai e que volta para o palco, não temos dúvida de que viver disso é possível.”

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