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David Gilmour, pela segunda vez, hipnotiza São Paulo com sua guitarra e clássicos do Pink Floyd

Músico britânico de 69 anos veio à cidade para duas apresentações na turnê do disco Rattle That Lock, com ingressos esgotados

Por Pedro Antunes
Atualização:

Dois shows, dois dias seguidos. Estar frente a frente com David Gilmour em dose dupla, na sexta-feira, 11, e sábado, 12, é a experiência de entender como um artista pode se reinventar, de uma noite para outra, sem necessariamente mudar a ordem das músicas e as projeções que iluminam o fundo do palco. Como a mesma música, tocada pelo mesmo grupo de pessoas, pode surpreender?

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É essa a questão que levou o Estadão ao mesmo Allianz Parque, na zona oeste da cidade, para um repeteco de Gilmour, com seu repertório baseado no mais recente disco, Rattle That Lock, lançado neste ano, e um batalhão de canções icônicas da ex-banda dele, o Pink Floyd. Seriam Wish You Were Here e Shine On Your Crazy Diamond, por exemplo, capaz produzir um efeito similar àquele da sexta? Seria melhor? Seria pior?

A guitarra de Gilmour sempre foi muito precisa. Era sua característica com o Floyd e assim seguiu na tímida carreira solo do inglês de 1,83 metro de altura. Foto: JF Diorio/Estadão

Também é um exercício difícil para Gilmour, é preciso reconhecer. Aos 69 anos, o músico dono de uma voz sempre impressionante pela delicadeza e pelas trocas de notas sutis terminou a apresentação de sexta com uma rouquidão notável. As canções finais, Time, Breathe e Comfortably Numb, todas do Floyd, mostraram como o músico sofre com um show tão longo. 

Talvez por isso ele opte por uma parada de 20 minutos, entre o primeiro e segundo ato, logo depois da ótima High Hopes, outra do Floyd. É anticlimático, mas muito provavelmente necessário para que ele recupere, mesmo que um pouco, o gogó precioso. Hora da cerveja, do banheiro, das filas no Allianz Parque, em ambos os dias.

Rattle That Lock, o disco da turnê, centraliza as ações se Gilmour no palco. São sete canções do álbum escolhido para a apresentação - sendo que 5 A.M. e a faixa título foram escolhidas para abrir a performance nos dois dias. In Any Tongue, também da nova safra, mostra como as composições de Gilmour ainda são capazes de ser agridoces. Belas, porém melancólicas. Há a guitarra sempre precisa do inglês, assim como os versos entristecidos, ora desesperados. Mesmo que a casa dos 70 anos dele já esteja próxima, Gilmour ainda é capaz de sangrar pela voz.

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Hits do Pink Floyd são, por razões óbvias, as grandes atrações de mais uma noite de espetáculo. Canções que acompanharam gerações de jovens e velhos roqueiros. Produzem verdadeiras catarses como pouco se vê em shows de estádio. A primeira delas, Wish You Were Here, promoveu um espetáculo de luzes nos dois dias. Luzes que não vinham do palco, não. A claridade espectral era produzida pelos celulares de grande parte das 50 mil pessoas presentes no estádio.

Existe uma óbvia carência pelo Pink Floyd. É compreensível. O Estádio do Morumbi lotou quando Waters passou por ali com o espetáculo The Wall. Agora, é a vez de Gilmour. E ele fez exatamente quanto o antigo colega de banda. Uma noite com a pista tomada por cadeiras e outra com o público em pé.

Em um estádio, é preciso dizer, as cadeiras tiram o brilho. Todos sentados, como em um espetáculo de teatro longo demais, um musical ou uma ópera. Assim, até faz sentido uma pausa de 20 minutos para esticar as pernas. Funciona melhor para os mais baixinhos, é preciso dizer, mas a vibração do público, todo em pé, fez uma falta danada na sexta-feira. O sábado, com uma configuração de pista, o show ganha calor e força.

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Na sexta-feira, em uma conversa na redação do Estadão, o repórter e crítico de música Julio Maria comparou Gilmour a um escultor, cuja guitarra vai, aos poucos, transformando uma pedra em obra de arte. A reportagem, na mesma sexta, comparou-o a um pintor diante de uma dela em branco, com solos substituindo as pinceladas. As duas metáforas representam Gilmour como esse artesão da música. Alguém que, com sua guitarra e voz, é capaz de evocar sentimentos escondidos. Sua arte produz um resultado de pouco em pouco. Cada acorde, cada nota, cada singela pincelada, vem carregada de sentimento e dor. São pequenas alfinetadas no coração, lentas, porém dolorosas.

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Ao fim de Comfortably Numb, a escolhida para ser a última do show novamente, Gilmour já estava mais rouco do que o dia anterior. Seu instrumento, contudo, gritava como nunca. Chorava lágrimas pelas notas que Gilmour executava. Ao fim de um segundo show seguido, a experiência se aprofundou. Gilmour foi capaz de tocar em lugares mais profundos, inalcançados na primeira vez. Talvez seja a repetição. Talvez seja a capacidade dessas canções de encontrar lugares profundos e desconhecidos. Gilmour, pela segunda noite seguida, foi capaz de emocionar com a melancolia precisa de sua guitarra.

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