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Crítica: Excessos prejudicam filme sobre Os Cariocas

Ao narrar a fantástica história do grupo vocal que teve seu pai como líder, atriz Lúcia Veríssimo faz ligação forçada entre Severino Filho e a ditadura

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Por Julio Maria
Atualização:

A homenagem a Severino Filho era urgente. Sem passar nas últimas décadas pelos processos de renovação de público com relançamentos ou projetos biográficos que poderiam mostrá-los às novas gerações, a memória do criador do maior grupo vocal da música brasileira de todas as eras, ao lado do irmão Ismael Netto, corria o triste risco da sublimação por desbotamento.

Formação clássica d'Os Cariocas nos anos 50 Foto: Festival É Tudo Verdade

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A grandeza de Severino está no documentário Eu, Meu Pai e os Cariocas – 70 Anos de História de Música no Brasil, em depoimentos, cenas de arquivo valiosas e narração dirigidas por sua filha, Lúcia Veríssimo. Lúcia dá ao pai a dimensão que ele merecia, mas também é levada a equívocos pelos exageros do amor. A filha, em nome do pai, quer tudo e todos enaltecendo importâncias e qualidades e, assim, perde a mão da edição.

Os entrevistados são muitos e, algumas vezes, desnecessários. Paulinho Moska e Moreno Veloso não justificam suas presenças deslocadas historicamente com boas reflexões. Apenas o fato de ser filho de Caetano não credencia Moreno a falar de Severino, sobretudo quando o material bruto colhido por Lúcia era tão farto. Gente de todo o Olimpo faz fila para falar das proezas de Severa. Milton Nascimento reconhece que imitava seu falsete. Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Menescal, Miele, Ruy Castro, Zuza Homem de Mello, Nelson Motta, Djavan, Badeco. É tanto material que Lucia brinca na edição, construindo frases com muitos depoentes.

O Severino de Lúcia, um homem doce e obstinado, ganha um tom romanceado quando chegam os finais dos anos 1960. Sua narração afirma que o recrudescimento do regime militar faz com que seu pai, um homem reflexivo, se cale na tristeza e saia de cena com Os Cariocas até o retorno do grupo, em 1988. Sim, Severa tinha contestações pessoais alinhadas com ideias de esquerda, mas seu negócio era a música pela música. Ele jamais se envolveu com política. O motivo da desativação dos Cariocas foi de mercado.

Eles entram em declínio não por um suposto desânimo ideológico com os rumos do País, mas pela natural queda decorrente da chegada dos ritmos jovens puxados pela Jovem Guarda. A versão apontada pelo filme induz a uma leitura fictícia deste episódio. O fio que conecta o espectador à emoção por estar diante de Severa e suas memórias corre o risco de ser desconectado pela extensão do documentário. Antes que isso possa acontecer, aparece Milton Nascimento cantarolando trechos de uma melodia, arrepiando-se com a própria voz, e é lembrada uma das histórias mais tristes dos bastidores da música.

O baixista e violonista Luis Roberto Gomes, durante o show do retorno de 1988, sentiu-se mal e dirigiu-se ao microfone. Informou que não estava passando bem, pediu licença e foi até o camarim. Morreu lá mesmo, aos 48 anos. Causa da morte: insuficiência respiratória. Suspeita não científica: forte emoção.