Concerto da Orquestra de Berlim no Irã gera polêmica com Israel

Governo de Tel Aviv pedirá que Angela Merkel impeça a viagem

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Por Jamil Chade
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GENEBRA - O Ocidente vai enviar pela primeira vez em décadas um orquestra sinfônica ao Irã. Mas a turnê já se transformou em uma polêmica política. Daniel Barenboim, diretor da Orquestra Estatal de Berlim, anunciou que está organizando uma turnê de seus músicos ao Irã, num esforço de usar a diplomacia da batuta para criar uma nova relação entre iranianos e europeus. Mas sua proposta foi duramente atacada pela ministra de Cultura de Israel, Miri Regev. O governo de Tel Aviv pedirá que a chanceler Angela Merkel impeça a viagem. Barenboim, judeu de origem argentina, recebeu a cidadania palestina por seus gestos em relação à paz na região e, desde 1999, mantém uma orquestra de jovens músicos de Israel e de países árabes. Ele já havia irritado certas alas de Israel quando decidiu ser o primeiro maestro a executar uma obra de Richard Wagner em solo israelense. Wagner era o compositor preferido de Adolf Hitler.

Daniel Barenboim é diretor da Orquestra Estatal de Berlim Foto: NYT/ Divulgação

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A nova iniciativa musical seria mais um gesto diplomático para marcar a nova fase das relações entre o Irã e o Ocidente, depois que um acordo nuclear foi fechado há um mês e que colocou fim a mais de uma década de confrontação e sanções entre Europa, EUA e Teerã. O concerto também é visto pelas autoridades como uma sinalização do fim do isolamento de Teerã. Para a Alemanha, porém, o Irã também representa a abertura de um mercado de 70 milhões de pessoas para os investimentos das multinacionais do país. Não por acaso, o ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, deu o sinal verde de Berlim e recursos para a turnê. Ele indicou que aplaudiria a " dedicação de Barenboim em tornar a música acescível a todos, seja qual for sua nacionalidade, religiosidade ou fronteira étnica ". Os detalhes e datas dos concertos serão anunciados quando a negociação estiver concluída. Regev, porém, indicou que vai enviar ainda uma carta para Merkel apelando para que a operação cultural seja evitada. Nas redes sociais, a ministra explicou que vai alertar que a presença de "  Daniel Barenboim no Irã afeta os esforços de Israel de prevenir um acordo nuclear e dá incentivos para deslegitimar Israel ". "O Irã apoia o terrorismo, o Hezbollah, o jihadismo islâmico e seus líderes tem sangue em suas mãos ", escreveu. " A Alemanha agiria de forma correta se ela cancelasse a aparição da orquestra e de seu maestro ", disse. Ela ainda acusou Barenboim  de " usar a cultura como plataforma para suas visões políticas anti-Israel ".Moderação. Em Teerã, o governo também deu sinalizações de que está disposto a aceitar a visita dos alemães, regidos por um maestro judeu. Em abril, a Orquestra Sinfônica de Teerã voltou aos palcos, depois de três anos silenciada por um dos governos mais repressores da região. Criada ainda nos anos 30, a Orquestra Sinfônica de Teerã é uma das mais antigas da região. Ela acolheu nomes como Yehudi Menuhin, Isaac Stern ou Maurice Béjart e tinha sobrevivido a muitas etapas da história iraniana: um golpe de estado promovido pelo Ocidente, a revolução islâmica, a guerra Irã-Iraque. Mas ela não sobreviveu ao governo de Mahmoud Ahmadinejad que, sob o pretexto da falta de dinheiro, encerrou suas atividades. Mas, dentro do próprio governo atual, não são poucos os que admitem que a pressão dos grupos mais radicais dentro do Irã foi o real motivo para silenciar a orquestra.  Para a reestreia da Sinfônica o governo moderado de Hassan Rouhani trouxe de volta ao país o maestro Alexander Rahbari, que havia optado pelo exílio austríaco ainda nos anos 70. Durante sua carreira, ele já havia comandado 120 orquestras europeias, entre elas a Filarmônica de Berlim. Na primeira fila, a lista de convidados incluía políticos locais e religiosos, num sinal de que a administração de Rouhani acatava tudo o que iria ocorrer. 

Para o primeiro concerto, a obra escolhida não foi iraniana. Mas a 9a sinfonia de Beethoven. O coro, mesmo com mulheres cobertas com véus, fez ecoar na sala as palavras em alemão da Ode à Alegria.  Mas a iniciativa não veio sem resistência. As alas mais conservadoras em Teerã tem feito críticas públicas contra a decisão do Ministério da Cultura de promover novos eventos, principalmente com música. Um dos principais pontos de discórdia se refere à possibilidade de que sopranos ou contraltos possam cantar sozinhas num palco. Os ultra-conservadores haviam conseguido passar uma determinação de que uma mulher somente poderia subir ao palco se fosse acompanhada por um cantos homem. Grupos de direitos humanos também alerta ao Ocidente que não se deixe enganar pelos gestos diplomáticos de Teerã. Se a Sinfônica de Teerã foi autorizada a tocar uma obra em alemão, a realidade da imprensa e de editoras é muito diferente. Publicações foram fechadas e, desde julho de 2014, 13 jornalistas e blogueiros foram presos pelo governo, sob a justificativa de promover "propaganda contra o sistema" ou de ameaçar a "segurança nacional".   

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