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CD recupera show inédito de Gilberto Gil e Gal Costa

Apresentação aconteceu em Londres no final de 1971; ouça trechos de músicas

Por Renato Vieira
Atualização:

Lá em Londres vez em quando Gal Costa se unia aos exilados Gilberto Gil e Caetano Veloso para tocar, cantar e trazer para o Brasil repertório que abasteceria seus álbuns do início dos anos 1970. O trio de amigos e os agregados da diáspora tropicalista frequentavam shows, festivais e absorviam as influências da Swinging London. Presenciaram o fim do sonho, que era pesado para quem não havia sonhado, ouvindo e fazendo música. E esperando um expresso que pudesse levá-los de volta ao País em segurança.

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Em 26 de novembro de 1971, Gil e Gal se apresentaram no Student Centre da City University London. Parte da plateia era composta por pessoas que também haviam deixado o País com o recrudescimento da ditadura militar. Estava frio e o inverno inglês iria logo começar. A música os aquecia. Era o prenúncio do calor que Gil, Caetano, amigos e familiares sentiriam no retorno definitivo do exílio, em pleno verão do janeiro seguinte.

Esse momento foi registrado em uma fita, gravada em estéreo e de maneira profissional. Mais de quatro décadas depois, ele vem à tona no CD duplo Live In London ‘71, que o selo Discobertas, do produtor Marcelo Fróes, lança em setembro. O show é dividido em duas partes. Na primeira, Gil e Gal estão juntos. A maior parte do repertório é de músicas de Gal a Todo Vapor, espetáculo que a cantora estreou um mês antes no Rio.

Os arranjos eletrificados eternizados no álbum Fa-Tal tornam-se acústicos pelos violões de ambos, escorados por Bruce Henry (baixo), Chiquinho Azevedo (percussão) e Tutty Moreno (bateria). Na sequência, Gil repassa e deixa nítida influências do blues em músicas pré-exílio (Procissão, Aquele Abraço), lê Beatles e Jimi Hendrix à sua maneira e antecipa o que poderia ser o seu segundo álbum gravado em Londres com Expresso 2222, Oriente e Brand New Dream.

Para Gil, o álbum é um sólido registro do período em que as influências do rock e do pop internacional radicalizaram a experimentação de sua música. “Tudo era possível. Improvisávamos, brincávamos, escorregávamos. Era natural e permitido, não havia compromisso com nada. Havia a desnecessariedade de uma formatação rigorosa, de um modo industrial”. Gal afirma que Live In London ‘71 tem valor por documentar a intensidade das visitas aos amigos naquele tempo. “Adorei este registro e acho importante lançá-lo. É o registro de um momento histórico e também do meu encontro com Gil”.

“Vocês tão vendo esse clima assim de informalidade, talvez. É porque a gente tá... informal”, diz Gilberto Gil após acompanhar Gal Costa em sua interpretação de

Como Dois e Dois

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, uma das faixas de

Live In London ‘71

. E seguiam apenas porque gostavam de cantar para a plateia, na qual havia brasileiros.

Ambos não se recordam de detalhes de bastidor do show que dará origem ao CD. Caetano Veloso acredita nem tê-lo visto. “Não me lembro nada desse show. Possivelmente não o vi: em geral, não me esqueço de coisas que vi. Por que não vi? Não faço ideia”. Se mistério sempre há de pintar por aí, Live In London ‘71 joga luz sobre a química de Gil e Gal no palco e a decisão do cantor e compositor de assumir uma postura de bandleader.

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No CD, ouve-se Gil comandando o trio que o acompanha. Em Viramundo, dá palavras de ordem. “Pica, pica, pica a mula”, “volta lá em casa”. Ao mesmo tempo, consegue deixar os músicos à vontade para improvisos. Apenas três faixas do álbum duram menos de cinco minutos. A sonoridade é roqueira pelo toque do violão.

“Até esse momento, o violão era o instrumento com o qual eu andava para cima e para baixo, a guitarra era uma abordagem lateral que eu fazia. Percebi que a guitarra poderia ser uma opção e não mais larguei. Agora que eu estou voltando ao violão”, salienta Gil, em referência a seu álbum mais recente, Gilbertos Samba.

A junção que poderia parecer paradoxal é harmoniosa na versão de Sai do Sereno, diferente da registrada pelos dois em Expresso 2222, disco que Gil lançou logo após a volta do exílio. O forró de Onildo Almeida ganha gritos de Gal à Janis Joplin contrastando com vocalises de Gil. Acauã também tem um duelo vocal ao final sob a bateria enlouquecida de Tutty Moreno. “Vai que é sua”, incentiva o cantor e compositor.

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“Entre nós e quem estava com a gente havia a confiança mútua, a entrega, a dimensão religiosa, quase, de divindade que é a música pra nós. Era como estar rezando, em estado de oração”, lembra Gil. A parceria entre os dois continuou quando Gil retornou ao Brasil, em janeiro de 1972. Ambos montaram o show Até 73 em fevereiro daquele ano.

A proximidade entre os dois gerou uma composição, Gilberto Gal. Não há registro da letra ou da melodia, apenas a lembrança do título. “Por ser, talvez, o período em que estivemos mais próximos musicalmente, criamos uma entidade só, demos esse abraço mais estreito”, ressalta Gil, que na sequência trabalhou com a cantora como diretor musical do show Índia.

Os dois amigos continuaram se apresentando esporadicamente ao longo dos anos, com Gil cedendo músicas para Gal. E a conexão musical entre eles se estende até hoje. Ele deve ser um dos autores presentes no CD que a cantora prepara para suceder Recanto (2011).

Ouça trecho de 'Expresso 2222'

A fita com o show de Gilberto Gil e Gal Costa na City University London que deu origem a Live In London ‘71 ficou mais de duas décadas em um acervo na capital inglesa. A descoberta ocorreu em 1998, quando o produtor Marcelo Fróes preparava a caixa Ensaio Geral, cobrindo o período inicial de Gil.

Fróes foi a Londres para localizar a fita do segundo álbum que Gil preparava durante o exílio, e que ficou inacabado com a oportunidade de voltar ao Brasil com Caetano Veloso e suas famílias. O produtor não conseguiu achar essas gravações, mas trouxe a trilha sonora do filme Copacabana Mon Amour, gravada em abril de 1970 e até então nunca lançada comercialmente, e o show com Gal. O primeiro foi incluído na caixa, mas, como o conceito do projeto era incluir apenas os discos solo do cantor e compositor, o registro de palco ficou de fora.

Ouça trecho de 'Aquele Abraço'

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As fitas estavam com um colecionador que adquiriu o acervo do Chappell Studios, onde Caetano e Gil faziam as gravações no período londrino. O local foi desativado em 1979. “Não tenho ideia de quem possa ter feito essa gravação, ou por que gravou. Mas acho bastante provável que esse show tenha sido a despedida do Gil de Londres, pois, em pouco tempo, ele estava de volta ao Brasil. É um registro muito importante”, afirma Fróes.

Live In London ‘71 começou a ser gestado quando Fróes foi chamado, em 2009, para produzir a caixa Gal Total, cobrindo sua carreira dos anos 1960 ao início dos 1980. O produtor comentou com a cantora sobre o registro e ela se interessou. O áudio passou por processo de masterização e edição. Gal e Gil ouviram e aprovaram o lançamento. Além do CD que chega às lojas em setembro, está prevista uma edição em vinil.

O álbum:

CD 1

1 - Coração Vagabundo (Caetano Veloso)

2 - Sai do Sereno (Onildo Almeida)

3 - Vapor Barato (Jards Macalé - Waly Salomão)

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4 - Como Dois e Dois (Caetano Veloso)

5 - Dê Um Rolê (Moraes Moreira - Luiz Galvão)

6 - Medley: a) Maria Bethânia (Caetano Veloso) b) Bota a Mão nas Cadeiras (tradicional)

7 - Chuva, Suor e Cerveja (Caetano Veloso)

8 - Falsa Baiana (Geraldo Pereira)

9 - Acauã (Zé Dantas)

CD 2

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1 - Procissão (Gilberto Gil - Edy Star)

2 - Brand New Dream (Gilberto Gil)

3 - Expresso 2222 (Gilberto Gil)

4 - Aquele Abraço (Gilberto Gil)

5 - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Lennon - McCartney)

6 - One O'Clock Last Morning, 20th April, 1970 (Gilberto Gil)

7 - Oriente (Gilberto Gil)

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8 - Up From The Skies (Jimi Hendrix)

9 - Viramundo (Gilberto Gil-José Carlos Capinan)

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