Cantora Carol Andrade lança belo disco e se firma também como compositora

Ao pensar em lançar o terceiro álbum, ela não sabia se deveria investir na intérprete ou na compositora, duas personagens que podem se chocar na carreira de qualquer cantora

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Por Julio Maria
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Ao todo, foram dois chamados. O primeiro veio aos 14, 15 anos, quando a vida começou a resolver um destino sobre o qual Carol Andrade ainda nem pensava. Sua voz era maior do que as arquiteturas da vida. Ela cantava por brincar e alguém dizia que deveria ser cantora. Um baixista, Itamar Pereira, indicou a primeira porta em que ela deveria bater. Carol foi estudar na antiga Universidade Livre de Música, em São Paulo, aprendeu a dominar com técnica a força que a natureza lhe deu e entendeu que ser ou não ser não se tratava mais de uma escolha. Ela já era.

O segundo chamado foi mais recente. Ao pensar em lançar o terceiro álbum, Carol não sabia se deveria investir na intérprete ou na compositora, duas personagens que podem se chocar na carreira de qualquer cantora. A primeira precisa habitar com a alma um corpo já existente. A segunda tem o desafio do sopro dos deuses, criando a criatura completa. Já havia sido assim em 2005, quando Carol e o violonista Alex Maia decidiram deixar uma banda de blues e jazz de São Paulo para investir na voz e no violão brasileiros, de harmonias nem tão pré-traçadas quanto as do blues nem tão complexas como o jazz. O álbum Vida a Dentro saiu com nove músicas próprias e uma releitura de Cigano, de Djavan. Não ganhou a recepção esperada e deixou Carol insegura.

Carol Andrade Foto: Tiago Queiroz / Estadão

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E, então, vieram as perguntas. “Por que um disco autoral?” “Por que as pessoas vão querer ouvir minhas canções?” “Será que essas músicas que faço são relevantes?” Djavan diz que o mundo tentará fazer você acreditar que não o tempo todo. Mas aí você arregaça as mangas e doma o touro a unha. Carol atendeu ao segundo chamado e fez Sorria. Seu terceiro disco, depois de um projeto exclusivamente de intérprete em 2009 chamado Outras Mulheres, traz dez canções assinadas por ela. Músicas e letras, com exceção da parceria Poema do Amor Novo, com Gisele Maria, são todas de Carol.

Sua ideia musical começa na poesia, algo que faz diferença. Composições que partem de letras, não de melodias ou harmonias, são raras, mas tendem a ganhar leveza, elasticidade, respiro. Não existem para cumprir tempos de rimas ou métricas, mas para reger todo o resto. Carol não faz de sua poesia um encaixe e não vira escrava da urgência. Tudo vem no tempo do sorriso, da tranquilidade. Sorria, a música, abre o disco nos arranjos pequenos de Alex Maia. Os outros músicos são o baixista Johnny Frateschi, o flautista e saxofonista Rafa Clarim e o baterista Vlad Rocha. É também uma forma de apresentar um espírito que está presente no projeto gráfico, com fotos no encarte de pequenos e grandes sorrisos, flagrados em situações urbanas e anônimas.

Carol poderia estar no samba com tranquilidade, mas faz dele apenas uma das cores de seu trabalho. Nos Passos da Rosa é bela e delicada, marcada com suavidade no violão, baixo e percussão. Homo Sapiens tem mais tensão na introdução, e quase atinge o registro do protesto. “Enquanto pequenos homens reagem / Grandes homens preferem a ação / Enquanto pequenos homens só debatem / Grandes homens tomam uma decisão.” Não é o tom do disco, mas vale. Mais uma vez, é outra cor que se coloca.

Filha de pai nordestino, apesar de paulistana, Carol transita por ritmos que vão tornando difícil sua classificação em subgêneros da música brasileira. Alegre Sertão é um leve frevo. Canto da Cachuera tem referências rítmicas do maracatu. Flor do Campo volta a mostrar força poética: “Molho meus olhos e sinto a devastação / Fecho meus olhos e acendo a escuridão / Que me cegou e deixou tão, tão só / Seco meus olhos e rego o que não morreu / Olho meus olhos e enxergo o que se perdeu / O que deixei passar da minha visão sem contemplação / Como acreditei na minha razão, triste ilusão”. É uma das mais belas, assim como a seguinte, Valsarás.

Aos 38 anos, cantando há 20, Carol vai comprovando velhos ditados. O tempo trabalha a favor, o artista é quem deve ter as rédeas de sua carreira e só pode atingir alguma esfera de felicidade quem responde aos chamados da vida. O tamanho de seu sorriso é um alento.

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