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Caixa com 20 discos é amostra do rico acervo da BBC

Em meio a grandes nomes, se destaca a pianista Annie Fischer

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Por Redação
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Deve acontecer também com você. Às vezes, você compra uma caixa com várias gravações de artistas diferentes e/ou com obras e compositores díspares. E acaba não se dando conta de que há gemas lá escondidas, pelas quais você havia passado batido. Aconteceu comigo em relação à caixa BBC Legends, lançada no mercado internacional no finalzinho de 2013 (download por US$ 24,99 em www.classicsonline.com). Ao todo, 20 CDs com uma amostra de um dos mais ricos acervos fonográficos do século 20. Desde os anos 30, a BBC lançou, primeiro em vinil, agora em CD, performances memoráveis de muitos dos maiores músicos do século. Para ficar só nos pianistas, no meio de Richter, Michelangeli, Gilels, Rubinstein e Kempff há um CD especialíssimo, da pianista Annie Fischer. Em geral, ela não é citada entre os maiores pianistas do século 20. Mas sem dúvida merece. Miudinha e franzina como Maria João Pires, nasceu em 1914 e morreu em 1995. Húngara como Liszt, é descendente direta da escola húngara de piano, linhagem que remonta ao autor da monumental Sonata em Si Menor. Alain Lompech, jornalista francês especializado em piano e grande amigo de Nelson Freire, escreve em seu livro Les Pianistes (2012), que Annie é "uma desconhecida célebre entre os melômanos, segredo bem guardado da EMI". Ele diz isso porque suas gravações para a EMI Classics são raras e concentradas num período curto, nos anos 1950/60.

Uma rápida biografia: Annie ganhou o Grande Prêmio Franz Liszt em 1933 e começava a consolidar carreira internacional quando a Segunda Guerra a obrigou, judia que era, a refugiar-se na Suécia. Terminada a guerra, retornou a Budapeste, onde seu marido Aladar Thot, musicólogo, levou Otto Klemperer para a ópera da cidade. Logo, porém, o regime comunista descartou-o. E a Annie também. Embora tenha gravado para a EMI londrina, a Hungria "oficial" fazia de tudo para cercear-lhe a carreira. Estranho comportamento num país que promoveu a primeira grande rebelião contra Moscou em 1956. Mais curioso ainda: no começo dos anos 1970, o governo usou jovens pianistas como Andras Schiff, Deszo Rank e Zoltán Kocsis como propaganda do regime no exterior - mas manteve Annie na sombra (ela só gravava para a estatal Hungaroton e nem era dissidente política). Quando ia a Londres gravar para a EMI, a BBC a contrabandeava para seus estúdios e registrava seu pianismo refinado, muito pessoal. Para se ter uma ideia do respeito que inspirava nos insiders do piano (Pollini é seu admirador confesso), seu apelido era "Richter de saias", referência ao mestre russo Sviatoslav Richter. O CD reúne três sessões nos estúdios da BBC. Em 2 de novembro de 1958, ela gravou o Andante e Variações de Haydn, a Sonata ao Luar de Beethoven e o Scherzo n.º 3 de Chopin. Em 19 de maio de 1963 as 32 Variações em Dó Menor de Beethoven e as Danças Marosszek de Kodály em rara versão para piano solo. E em 24 de fevereiro de 1971 a Sonata n.º 14 de Mozart. Dificílimo escolher a melhor performance. Todas são fulgurantes. Pessoalmente, fico com a imensa leveza em Haydn e Mozart; a poesia da Sonata ao Luar; e com um idiomático e magnífico Kodály.

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