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Björk fez alto artesanato da cultura dance e agora examina feridas do divórcio

Turnê do novo álbum, 'Vulnicura', estreia em Nova York no próximo dia 7 de março

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Uma das artistas mais inovadoras, inquietas e visionárias da música popular, a cantora islandesa Björk experimenta uma fase de radiografia da vida e da carreira. Acaba de lançar um novíssimo álbum, Vulnicura, cuja turnê mundial estreia no dia 7 de março no Carnegie Hall de Nova York e, no dia seguinte, sua obra vira objeto de acurado exame num dos mais prestigiosos museus do mundo, o Museum of Modern Art de Nova York (MoMA).

Na capa de Vulnicura, a cantora de 49 anos surge como uma madona de cristais com o peito cingido por grandes lábios erógenos. A palavra é inventada, como quase tudo de Björk. Ela examina desde as proposições do minimalista russo Vladimir Martynov até a relação entre batidas eletrônicas e o sufismo. Mas o disco trata principalmente de coração partido: ela se divorciou em setembro do artista Matthew Barney, com quem era casada desde 2001 e teve Isadora, de 12 anos. 

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Ela cancelou uma apresentação no Brasil em 2012, no festival Sónar, após a descoberta de um nódulo nas cordas vocais. “Minha voz está ótima agora. Obrigada por perguntar”, garantiu Björk, falando por telefone ao Estado, com exclusividade.

Em conversa com o filósofo Timothy Morton, você se diz exausta do cinismo e da ironia da pós-modernidade, como se o pós-moderno fosse um inimigo a ser combatido.

Eu venho da Islândia. Acho que lá nós não temos uma história semelhante à da Europa. Só nos tornamos independentes somente há 70 anos. Não vivemos a revolução industrial como os outros países, mantivemos uma certa pureza na relação com a natureza. Não vivemos guerras, não temos um exército. E, de repente, nos vimos no meio da nova ordem tecnológica, das facilidades da internet. Isso nos tornou mais sinceros. Acho que eu estava, naquele momento, falando um pouco de como eu estou concentrada em me ater somente ao que é verdadeiro. Talvez esteja num processo de descobrir quem eu sou, que tem muito a ver com o que éramos há alguns anos na Islândia. É uma visão realista, vejo a necessidade de achar um equilíbrio entre um e outro mundo.

E como é que essa busca das origens se reflete em Vulnicura?

Acho que o novo trabalho é parte desse processo. Com a exposição que estão organizando no MoMA sobre mim, eles acabaram reunindo coisas, documentos sobre minha vida, que acabaram me iluminando algo. Não sou muito organizada, então a pesquisa virou quase uma ação de emergência, e eles têm sido brilhantes. Eu busco saber quem sou e Timothy está me ajudando, mas estou no começo. Sabe, buscar estabelecer uma relação harmoniosa entre a natureza humana e a vida animal, como acontece naturalmente na Islândia. É também um processo de celebração, de otimismo, de fé no futuro.

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Em Biophilia, você parecia estar imersa na busca de uma precisão científica, algo mais frio. Esse novo disco tem uma pegada mais intuitiva, não?

Na verdade, acho que Biophilia era um álbum cheio de emoção, apesar de ser um mergulho num mundo artificial, uma natureza inventada. Eu estava de fato muito obcecada com tecnologia e com elementos como touchscreen e novos parâmetros de educação musical. Mas acho que não há ruptura entre um trabalho e outro. O que acontece é que esse novo disco é uma oportunidade de voltar ao artesanato, mas é principalmente um trabalho pessoal. Trata de relacionamento e estado psicológico. É muito privado, muito pessoal, ao mesmo tempo que é a documentação de tornar-se livre de algo. 

Esse algo seria o seu divórcio de Matthew Barney?

As primeiras três canções foram feitas antes da separação. Eu as compus com Arca. As outras foram feitas depois da separação. Fui fazendo o disco conforme meu casamento ia se desfazendo, e me surpreendi pela forma como acabei produzindo um documento do período, da dor intensa da perda à recuperação lenta e finalmente à cura. Está tudo no disco.

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Como foi que você chegou até o trabalho do venezuelano Arca (Alejandro Ghersi), que é um garoto de apenas 24 anos e se tornou seu parceiro?

Arca é maravilhoso de ouvir. E tem imensa capacidade de entender o artificial. É clássico também, mas principalmente é um artista muito idiossincrático. Faz tudo muito bem: toca, compõe, produz. Já meu outro parceiro, Haxan Cloak (Bobby Krlic), tem uma outra qualidade, é diferente. Eu preciso dos dois. Arca chegou até mim por meio do meu assistente, e propôs trabalhar comigo. Eu ouvi e topei na hora. Biophilia foi feito em 36 meses. Arca veio e, em poucas semanas, tínhamos Vulnicura inteiro. 

Vi algumas exposições de superstars em museus e boa parte delas se resume a exibir objetos. Como surgiu essa ideia de expor no MoMA de Nova York e qual é a sua intenção?

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Bom, a ideia você vai ter de perguntar ao curador da mostra (Klaus Biesenbach, curador-chefe do Museu de Arte Moderna de Nova York). Ele me procurou muitos anos atrás com essa proposta e eu nunca me decidia. Não estava convicta. Mas agora achei que é uma oportunidade de mostrar coisas muito diferentes do que habitualmente tem sido feito nessas mostras, criar um modo de exibição novo. Basicamente, o que me atraiu agora é a questão: como expor música?

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Mostra no MoMA tem 3-D e literatura

A partir de 8 de março, a mostra de Björk no MoMA abordará mais de 20 anos de sua carreira solo (pós-Sugarcubes), do disco Debut (1993) ao álbum de 2011, Biophilia, com som, filmes, visuais, objetos, roupas, 3-D, além de narrativa híbrida do escritor islandês Sjón. A parte multimídia é do diretor Andrew Thomas Huang.

Em seu novo disco, toques de rancor e desespero

São apenas nove faixas que oscilam do futurismo sombrio à eletrônica heavy, com o filtro da ambição de Björk de tatear uma expressão não-humana, embora emocionante e reconhecível.

Abre com a linda Stonemilker, som de violoncelo e eco de câmara. Lion Song contém o clássico tempero do rancor da separação, turbinado por vibração eletrônica taquicardíaca. “Should I throw oil on one of his moods? (Eu deveria jogar óleo sobre uma de suas expressões?)”, ela pergunta, na letra. “But which one? Make the joy peak? Humor peak? Frustration peak? Anything peak – for clarity” (Mas em qual delas? O pico de alegria? O pico de humor? O pico de frustração? Qualquer extremo, por clareza).

History of Touches, aos poucos, vai parecendo um daqueles diálogos de baleias do National Geographic. Até esse momento, o álbum ainda é contemplativo e reativo. Black Lake é de cortar o coração, uma daquelas músicas que Nina Simone gravaria. Aí, em Family, começa a ficar marcial, seco e desfolhado. Björk agora parece empunhar uma faca ginsu pela sala. Notget tem um teclado percussivo e pegada orientalizada. Atom Dance é cartunística. Mouth Mantra é pura coagulação vocal. Finalmente, Quicksand reagrupa os estilhaços. Lindo, como sempre. / J.M.

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