Beth Carvalho lança disco com sambas e pagodes que narram suas maiores vitórias

Projeto começa a festejar os 50 anos de palco da cantora

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Por Redação
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Martinho da Vila respondeu a um e-mail da reportagem em poucos minutos. Algo que, para quem conhece o sambista, sabe se tratar de um momento raro. “Martinho, você pode definir Beth Carvalho em uma frase?”, quis saber a reportagem. E ele, de tão rápido, mandou algo que já parecia estar escrito. “A querida Beth Carvalho, para quem eu fiz o samba Enamorada do Sambão, noivou e casou com o ritmo, abraçou-o e, com sua postura, ajudou a superar o preconceito que existia contra o gênero. O que ela tem de mais especial é o timbre, inconfundível, e a capacidade de escolher o seu bom repertório.”

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Às vésperas de completar 50 anos de carreira, a maior e mais respeitada voz do samba do País repassa sua carreira em um CD e um DVD regravando momentos que a levaram à glória. O disco, com participação do ‘afilhado’ Zeca Pagodinho e da filha Lu Carvalho, mostra Beth no bairro do subúrbio carioca que ela batizou como “a capital mundial do samba”. “Madureira tem duas escolas, Portela e Império Serrano. Foi de lá que saíram nomes como Dona Ivone Lara, Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola”. Madureira, pelas contas de Beth, só não foi cantada por ela em dois álbuns: “Eu só não cantei algo para o bairro quando gravei um disco em que cantava os sambas de São Paulo e em outro, que fiz para os sambas da Bahia”. 

Os depoimentos que foram captados para cenas de um pequeno documentário apresentado como bônus no DVD mostram autoridades falando de Beth, como o compositor Toninho Geraes: “O Brasil sabe quem é Beth Carvalho. Ela é simplesmente a rainha”. Rildo Hora: “Se eu tive alguma coisa, agradeço aos compositores e à Beth. Ela ajudou a sedimentar o que eu vinha fazendo”. E Jorge Aragão: “Dizer que você é minha madrinha é pouco. Você é minha amiga, é minha irmã”.

Rainha. Beth gravou músicas com a filha Lu Carvalho e com Zeca Pagodinho Foto: Marcos Arcoverde/Estadão

Beth diz que sente falta dos bons tempos das gravadoras. Anos em que havia um belo adiantamento financeiro aos músicos que assinavam ou renovavam contratos com as empresas. “Eu pedi 2 milhões na moeda da época para renovar com a minha gravadora, crente de que ela não iria me dar. Então, um tempo depois, fui contratada por outra que me pagou 40 milhões. Para você ter uma ideia do quanto era isso, eu comprei uma casa linda de sete andares da Joatinga (região privilegiada na zona sul do Rio) por 4 milhões. O que eu ganhei naquela época daria para comprar umas dez casas como essa”.

Hoje, ela diz não passar dificuldades, mas reconhece que os ganhos se concentram nos shows. “Para lançar um disco, você tem que produzi-lo. A gravadora só faz a divulgação. Sempre há um desfalque, mas eu tenho minhas reservas (financeiras).” Seria um acidente no samba se não fosse Beth Carvalho. Mesmo sendo zona sul dos pés à cabeça, jamais uma moradora do subúrbio, algo a chamava para o morro. Chegou pisando no samba de leve no primeiro disco, produzido por um rapaz chamado Cesar Camargo Mariano, que ela viu acompanhando Wilson Simonal com o grupo Som Três, e viciou-se depressa. Beth poderia ser cantora de MPB, caminho para o qual apontava sua estreia, ou estrela da disco music, um dos movimentos dos anos 70 que parecia aterrar o que não poderia ser tocado na pista de uma discothèque. Mas aí Beth se deparou com as cores verde e rosa tomando o centro do Rio e soube exatamente o que queria ser.

O CD e DVD que lança agora - intitulado Ao Vivo no Parque Madureira - são uma espécie de abertura para as comemorações dos 50 anos de carreira que vai completar em 2015. Ela adianta que voltará ao estúdio para gravar um novo disco no ano que vem, com músicas inéditas, e que terá uma biografia iniciada pelo jornalista Beto Almeida. O álbum de agora não deixa de ser comemorativo. Beth procurou por um repertório conhecido, mas que não fosse desgastado. Não há, por exemplo, Andanças, música que a consagrou em 1968, no 3º Festival Internacional da Canção, nem As Rosas Não Falam, de Cartola. Em compensação, abre com O Show tem que Continuar (da tríade Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila), Coisa de Pele (de Jorge Aragão e do então motorista de ônibus Acyr Marques) e Ô Isaura (de Rubens da Mangueira). Sua filha Lu Carvalho aparece para cantar Devotos do Samba e Zeca Pagodinho ganha um longo coral de louvação quando surge no palco para fazer com Beth Deixa a Vida me Levar, Arrasta a Sandália e, a mais comovente, Ainda é Tempo Pra Ser Feliz

O DVD traz como bônus um documentário de pouco mais de 20 minutos muito bem produzido, com imagens sobre fotos de arquivo de Beth e um momento de emoção. Sentada à mesa de sua casa, Beth começa a lembrar do dia em que sua filha nasceu. “Quando elas nascem, elas vêm aqui no rosto da gente, apertando como se estivessem beijando... Eu tenho vontade de chorar toda vez que vejo o vídeo do nascimento.” E cai no choro.

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Nelson Cavaquinho. A gravação de Folhas Secas se tornou eterna Foto: Divulgação

As idas de Beth à quadra do bloco Cacique de Ramos resultaram em um de seus mais importantes discos, de 1978. Foi ali que ela registrou músicas com a formação que descobriu ao ver sambistas como Almir Guineto, Arlindo Cruz e Jorge Aragão, quando ainda eram desconhecidos, nas rodas do Cacique. Até então, banjo, repique de mão e tantã não eram usados no samba. “Depois que lancei esse disco, via os garotos usarem esta formação no Brasil inteiro.”

Os encontros com Cartola também são lembrados. Assim que vai ao Morro de Mangueira, encontra um compositor que muitos nem sabiam mais que estava vivo. “Tem música aí, Cartola?” “Tem, minha filha.” Ele mostrou então As Rosas não Falam. Beth amou e separou para gravá-la, algo que faria e que reconduziria o compositor às estrelas. Depois, Beth quis mais. “Tem essa outra aqui, se chama O Mundo é Um Moinho. Mas essa não dá para você não, você vai queimar esta”, disse Cartola, cheio de honestidade. Beth ficou furiosa e não escondeu seu desapontamento. Voltou a Cartola e quis saber: “Mas por que eu vou queimar a música?” Beth conseguiu convencê-lo a liberar o samba para que ela o gravasse, e assim foi. “Depois que a música estourou no mundo todo, ele ficou quietinho. Não falou mais nada”, lembra ela, sorrindo. 

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