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Artistas de hip-hop e funk impulsionam cena musical LGBT em São Paulo

Linn da Quebrada, Gloria Groove e Rico Dalasam, alguns dos representantes, conversam com o Estado sobre movimento

Por Pedro Rocha
Atualização:

No último ano, o Brasil viu surgir um grande movimento de artistas LGBT dos mais diferentes gêneros - pelo menos quando se trata de música. Quando o assunto é identidade, o objetivo é, na verdade, o contrário, mostrar o caminho de uma música sem gênero, sem masculino e feminino. 

Linn da Quebrada, Gloria Groove e Rico Dalasam são representantes da cena do funk e hip-hop LGBT em São Paulo. Foto: Gabriela Bilo/Estadão

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Alguns artistas desse movimento, como a cantora Liniker e o grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, despontaram primeiro, se enveredando pela MPB. Mas, em São Paulo, especificamente, há um grupo de artistas que tem se destacado por suas rimas, seja no funk ou no hip-hop. A funkeira Linn da Quebrada e os rappers Rico Dalasam e Gloria Groove se reuniram, a convite do Estado, para uma sessão de fotos e para discutir o movimento, que vem principalmente das periferias da cidade. 

ANÁLISE: A música não é só festa, é preciso mostrar as feridas abertas na luta por igualdade

O encontro ocorreu na Casa 1, um espaço aberto há pouco tempo no Centro de São Paulo e que tem como objetivo acolher pessoas LGBT em situação de risco e sem um lar - muitas foram expulsas de casa. Criado pelo jornalista Iran Giusti, a Casa 1, que também funciona como centro cultural, tem no momento 16 moradores, entre homens e mulheres gays cisgênero e entre homens e mulheres transexuais. 

Desconstrução da identidade de gênero é recorrente nas composições Foto: Gabriela Bilo/Estadão

Numa das portas da Casa 1 estão escritos os nomes de dezenas de pessoas LGBT assassinadas em São Paulo nos dois primeiros meses de funcionamento do espaço. Ao lado, suas idades e a causa das mortes, muitas extremamente violentas, como por apedrejamento ou carbonização. “Infelizmente não é novidade, nossos corpos não têm peso. São poucas as pessoas que choram por nós”, lamenta a funkeira Linn da Quebrada, mulher transexual de 27 anos. 

Vinda da Zona Leste, Linn tem uma trajetória que passa pela performance e pelo teatro. Foi estudando em Santo André que morou com Liniker e descobriu o poder da música. “Eu sou uma artista do corpo, eu uso esse canal como veículo de informação, e a música é uma das possibilidades. É por isso que digo que estou cantora.”

Depois de singles como Bixa Preta e Enviadescer, ela agora busca recursos para o álbum de estreia a partir de financiamento coletivo. O trabalho deverá se chamar Pajubá, numa referência a como é conhecido o “dialeto” próprio falado pela população LGBT no Brasil.

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Também da Zona Leste e também independente, a drag queen e rapper Gloria Groove, nome artístico de Daniel Garcia, de 22 anos, conseguiu lançar em 2017 o seu primeiro álbum sem ajuda de nenhuma gravadora. O Proceder fala de amores de um jovem gay, mas também sobre militância com um tom político. “Queria que fosse relevante e que tivesse um impacto social, e não ser só uma drag cantando.”

Para Gloria, que começou a carreira na música ainda na infância, e que se “se monta” como drag queen desde 2014, o movimento de artistas LGBT é importante para que essa população consiga se enxergar sob os holofotes. “Estamos caminhando para a desconstrução de um preconceito, para que o gay comece a se enxergar num outro gay, superstar, tão endeusado como ele enxerga uma Lady Gaga ou Beyoncé.”

Rico também se arrisca no pop e em 2017 compôs um dos maiores hits do Carnaval, Todo Dia, parceria com a drag queen Pabllo Vittar. “Foi a primeira vez que algo meu tocou muito e fora do meio onde existo.”

Cena tem músicas de enfrentamento e luta por igualdade

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Em suas composições, Linn da Quebrada, Gloria Groove e Rico Dalasam cantam o empoderamento LGBT e feminino.

Em seu mais recente clipe, Mulher, que é na verdade um projeto audiovisual, intitulado blasFêmea, Linn da Quebrada trata de dois dos seus temas centrais, a violência contra as travestis e a união entre as mulheres, trans ou cis. “Tem a ver com não se manter refém de um masculino opressor, o enfrentamento do culto ao falo, repensar o sagrado e o profano, o desejo e a proposta de aliança do feminino.” 

A artista diz não temer cantar o empoderamento feminino e LGBT num momento em que o mundo vê, principalmente na política, a ascensão do conservadorismo. Para ela, este é o momento ideal para todas as mulheres lutarem. “Os homens estão tão bem estabelecidos e articulados que se protegem, se ajudam, se favorecem, se admiram. E, ao feminino, é deixado o espaço de servidão e sexo.”

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No dia anterior ao ensaio para o Estado, Rico Dalasam havia gravado na própria Casa 1 o último clipe do álbum Orgunga, Vambora. “A gente pode rodar o mundo, mas volta para o mesmo lugar, onde a gente mora e precisa lutar por políticas de existência, numa zona de risco, da mesma forma”, reflete. “Foi essa a ideia de vir aqui, lugar do movimento mais vivo e organizado neste momento, com a juventude à margem da margem. Trans, gay, preto, mil narrativas que se cruzam.” 

Da mesma forma que Linn, o rapper não demonstra medo da onda de conservadorismo. “Eu não sei o que eu sinto, mas não é medo. Se a gente tivesse medo, a gente iria recuar, e a gente não recua. A gente só existe, grita mais forte e aguenta o salto alto por mais tempo para voltar com mais força”, diz, emocionado. 

Dalasam acredita que a força do movimento LGBT na música tem a ver com a identificação dos fãs. “Receber um relato de identificação das pessoas é sempre mágico. O mais confortante e emocionante é que a música entra em questões tão delicadas, que nem percebemos ao compor.” 

Para Groove, a força necessária para fazer música de enfrentamento veio do poder da arte de ser drag queen . “Eu costumo dizer que foi o drag que me libertou, me tirou da caixinha e me fez parar de pensar que não conseguiria fazer sucesso por ser um menino gay.”

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